Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 076: Antropologia nos Museus: coleções etnográficas, detentores e artistas
O patrimônio cultural wauja em museus universitários e nacionais e a criação do Museu Indígena
Ulupuwene: sobre a responsabilidade de trocas sistemáticas e simétricas entre instituições guardiãs e povos
indígenas
Um vasto número de artefatos, fotografias, desenhos, manuscritos, filmes e gravações dos/sobre os Wauja
encontra-se em coleções de museus universitários, notadamente nos Museus de Arqueologia e Etnologia da USP,
UFPR e UFBA, da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP e de museus nacionais da Alemanha (Forum Humboldt de
Berlim e Museum für Völkerkunde de Leipzig), Estados Unidos (National Museum of Natural History da
Smithsonian Institution), Portugal (Museu Nacional de Etnologia de Lisboa) e França (Musée du quai Branly de
Paris). Essas coleções foram formadas entre 1884 e 2005 por expedições científicas, e estão documentadas de
maneira muito desigual, algumas com erros ou inconsistências. A quase totalidade desse patrimônio é
desconhecida dos Wauja. Apenas alguns poucos deles tiveram a oportunidade de conhecer algumas amostras
dessas coleções em anos recentes [as duas coleções alemãs, que estão em estado mais crítico de documentação
falha ou insuficiente, jamais foram qualificadas pelos Wauja]. Por outro lado, as tradições vivas das
culturas visual, material e ritual wauja são pouquíssimo conhecidas por esses museus e seus curadores. Ou
seja, para o caso dos Wauja, eles e os museus que guardam seu patrimônio vivem em domínios separados e
praticamente sem relações, e estas, quando ocorrem, são em geral isoladas e carentes de continuidade. A nova
definição de museu, aprovada em 2022 durante a Conferência Geral do Conselho Internacional de Museus (ICOM),
estabelece que os museus devem atuar juntamente com a participação das comunidades. Portanto, museus que
não envolvem comunidades de interesse de maneira direta, constante e sistemática, operam fora da definição
oficial estabelecida pela comunidade internacional. Em abril de 2023, os Wauja criaram, por meio de uma
assembleia comunitária, o Museu Indígena Ulupuwene (MIU). O MIU se inspira na filosofia do ecomuseu (museu
liderado pela comunidade e focado em abordagens integradas dos patrimônios natural e cultural) e nas ideias
da Museologia Social (museu é antes de tudo os modos de pensar e praticar a preservação dos patrimônios e
memórias, e não apenas um edifício) e na espiritualidade wauja (cura, generosidade, alegria, festas e
proteção das crianças). Além do objetivo de apoiar a preservação dos patrimônios naturais e culturais wauja,
o MIU tem o objetivo de criar pontes de diálogo e trocas entre a aldeia Ulupuwene e os museus mencionados.
Essa comunicação aborda os problemas éticos e práticos em torno da guarda das coleções wauja, sua
insuficiente curadoria por esses museus e os desafios de estabelecer trocas sistemáticas e simétricas entre
os Wauja e as várias instituições guardiãs.