Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 087: Práticas espirituais na África e nas Américas
Das "caídas" e dos "tombos": Agência, Força e Poder dos Encantados no Terecô de Codó (MA).
Este trabalho parte de uma pesquisa etnográfica realizada no município de Codó, interior do Maranhão,
junto aos praticantes do terecô, religião de matriz africana brasileira, e os encantados, entidades que os
acompanham. Nele pretendo explorar a noção de força sobre os corpos e territórios articuladas pelos
interlocutores através das categorias cair e tombo, presente nas narrativas do passado da religião e também
no presente da sua prática na cidade.
Codó é conhecida na literatura antropológica como "terra de encantaria" e lugar de origem do terecô, também
chamado de tambor da mata. As matas desse território são moradas da família de Légua, encantados chamados de
"povo de Codó". Eles descem em diferentes terreiros do Brasil evocando as matas de Codó em suas doutrinas,
carregando seus territórios para além dos limites da cidade. Através da relação entre os encantados, suas
matas e seus trânsitos, encontramos uma noção polissêmica de território. Tal mata não é só morada de
encantado, mas espaço sobre o qual exercem domínio e por isso, certa gestão de entradas e saídas,
autorização e autoridade, força e poder.
Para analisar a força da encantaria codoense, este trabalho busca tratar das histórias de resistência à
perseguição policial que os terecozeiros sofreram no passado. Naquele tempo driblava-se tal perseguição
através de um uso tático da força e saberes do terecô, acionados tanto pelos brincantes, quanto pelos
encantados. Os tambores eram tocados clandestinamente nas matas de coco babaçu sob a proteção dos
encantados, que fechavam os caminhos, despistando os agentes repressores e fazendo-os se perder. Caso
encontrassem o tambor, os encantados respondiam dando um "tombo", incorporando nos policiais, fazendo-os
cair e dançando em cima deles a noite toda. Esta incorporação responsiva trata de uma participação ativa das
entidades na resistência.
"Quis acabar com o terecô, mas acabou caindo nele" e "o tombo é para mostrar para eles que é de verdade essa
ciência", são frases que alguns interlocutores utilizam para falar do tempo da proibição. Elas tratam da
incorporação como resposta ou evidência, aludindo ao que os encantados são capazes de fazer não apenas nas
suas relações com àqueles que os recebem, mas também quando provocados. Centrando-me nas categorias cair e
tombo, explorarrei outras ressonâncias e sentidos da incorporação das entidades, seja no presente ou nos
processos de resistência histórica. Se o terecô venceu, como contou-me uma mãe de santo da cidade, é porque
nele se mobilizam noções específicas de poder, autoridade e força. Para compreender essa vitória, é preciso
pensar na agência das entidades que, junto aos seus cavalos, dinamizam formas próprias de luta, relação com
o território e dinâmicas comunitárias.