Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 079: O visível e o in(di)visível: ciências, conhecimentos e produções de mundos.
Além do que se vê: visibilidades de gentes e de macacos em saberes primatológicos no sul do Piauí
Na região rural de Boa Vista, localizada no município de Gilbués (PI), as práticas de conhecimento de
cientistas e de mateiros se encontram pragmaticamente. As pesquisadoras são estudantes do comportamento de
macacos-prego (Sapajus libidinosus) da Universidade de São Paulo, e os sertanejos são contratados por elas
como assistentes de campo que coletam, in loco, diariamente dados empíricos desses primatas. Dentre as
concordâncias e as controvérsias partilhadas nessa relação, um dos pontos considerados pacíficos é o do
reconhecimento individual dos macacos por nomes pessoais. Saber reconhecer individualmente um macaco é,
tanto para mateiros como para cientistas, um bom sinal da competência para estudar primatas e uma conquista
só alcançada pelo tempo dedicado em campo na companhia dos animais. No entanto, os sertanejos e as
pesquisadoras parecem se valer de métodos por vezes divergentes, ou com ênfases diferentes, para o
reconhecimento dos macacos. Os mateiros, treinando-me na prática, me dizem com frequência que cê tem que ver
além do que nóis vê. Esta é uma asserção própria dos sertanejos, para quem conhecer os macacos parece
envolver operações intelectuais menos óbvias do que a descrição de aspectos morfológicos e relacionais,
elencados pelas cientistas como pistas para reconhecer os macacos. Isto é, se ambas as partes indicam, em
graus distintos, fazer uso de procedimentos como a comparação, a discriminação, e a identificação de
contextos e relações, no caso dos mateiros há ainda um tipo de imaginação, ou criação, envolvida no processo
de conhecer os macacos, o que não é explícito discursivamente entre as pesquisadoras. Antes de elaborar um
contraste final entre essas formas de conhecer e se relacionar com os macacos, o que parece é que tanto para
os mateiros como para as cientistas a observação de primatas não se realiza por meio de uma visibilidade
direta e transparente dos animais, mas é aprendida e negociada com eles. Assim, o objetivo desta comunicação
é de apresentar uma pesquisa baseada em um trabalho de campo com primatólogas, mateiros e macacos-prego,
alargando o campo das controvérsias que constituem as práticas de conhecimento e de reconhecimento dos
macacos, e as filosofias implicadas nestas práticas. Com isso, talvez possam ser recriadas as distâncias e
as aproximações entre os conhecimentos científicos e não-científicos, de modo que o exercício nos inspire a
desacelerar o estabelecimento de fronteiras definitivas entre os saberes.