ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 060: Experimentos de Ontologia: formas de mundialização desiguais e etnografia como atuar criativo.
Diagnósticos de saúde mental e bem-viver, apontamentos etnográficos a partir do caso dos indígenas wai wai do Norte do Pará
Neste trabalho apresentaremos reflexões a partir do trabalho de campo entre povos Wai Wai no Norte do Pará, nas Terras Indígenas Trombetas-Mapuera e Nhaumundá-Mapuera. Os dados etnográficos referem-se às incursões em campo desde 2018 e com concentração nos anos de 2020 a 2023. A relação dos povos Wai Wai com o Estado nacional, sobretudo em sua caracterização étnica e na descrição da língua, foram organizados a partir do contato com os missionários do Unevangelized Fields Mission na década de 1940, e que levaram os primeiros serviços de saúde e educação. Esse contato gerou um processo de mudança e transformação com o abandono expresso de práticas consideradas xamânicas e quaisquer outras que não seguissem os ensinamentos dos missionários e a biomedicina ocidental, com especial atenção à interdição do uso das plantas medicinais e das rezas e sopros. Com a transferência dos serviços de saúde e educação para o poder público, a partir da década de 1990, os indígenas waiwai passaram a ser atendidos, no caso da saúde, por políticas desenhadas pelo Ministério da Saúde e hoje coordenadas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena. É nesse lastro histórico de relações colonialistas entre povos indígenas e não-indígenas que nos deparamos com os casos de pacientes psiquiátricos e que fazem uso de psicofármacos repassados pelas equipes de saúde. A estratégia de pesquisa de participar de forma engajada na compreensão desses diagnósticos, os medicamentos utilizados, os prontuários e os núcleos familiares, mediando os enunciados biomédicos para os pacientes indígenas, possibilitou conhecer diferentes formas de compreender o processo etiológico e com isso a explicação dos desequilíbrios sociocosmológicos, e que na concepção das equipes de saúde são compreendidas como doenças subjetivas e ligadas à psique humana. O quadro se agrava pelo modo como as políticas oficiais de saúde tem se apropriado das teorias do bem-viver, que quando transferidas em políticas públicas acabam replicando estereótipos colonialistas sobre indigeneidade e conhecimentos tradicionais. No caso analisado, as equivocações ocorrem entre as compreensões sobre os processos etiológicos nativos que compreendem seres não-humanos e os processos etiológicos da política governamental que apontam as compreensões xamânicas como respostas culturais a uma natureza universal, gerando estratégias cosmopolíticas de composição entre essas duas compreensões de mundo. Observamos que mesmo após a implementação de uma política de saúde norteada pelo princípio da atenção diferenciada e da interculturalidade, as respostas das equipes de saúde baseiam-se em um processo de controle das queixas dos pacientes indígenas e transformadas em problemas subjetivos de explicação psicossomática.