Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 057: Etnografias em contextos de violência, criminalização e encarceramento
A distinção da violência: políticas de partilha, limpeza étnica e transferência populacional
Neste trabalho gostaria de refletir sobre alguns modos de distinção e caracterização de práticas e
experiências sob o signo da violência, notando em especial suas dimensões temporais e como isto impacta
formas de gestão de populações e territórios. Com isto, minha intenção não é discutir se algo deve ou não
ser entendido como violência, nem seu tipo. Concretamente, a partir de uma etnografia documental centrada na
circulação de categorias da violência e tecnologias de governo, gostaria de explorar a produção da
(in)distinção discursiva entre limpeza étnica e transferência populacional, concentrando-me no campo de
debate sobre partilhas como um modo de intervenção internacional e solução humanitária para conflitos
étnicos, como desenvolvido nos anos 1990 a partir do contexto da guerra nos Balcãs, mas que reverbera e se
ancora nas discussões e tecnologias imperiais da primeira metade do século XX, especialmente relativas à
Partilha da Índia (1947) e à Partilha da Palestina (1947).
A compreensão pública da violência da guerra nos Balcãs foi marcada pela emergente noção de limpeza étnica,
cuja descrição articulava uma imagem do horror que parecia impelir à ação moral para remediar tal situação.
Neste contexto, entre diversas propostas de solução, alguns influentes intelectuais defenderam o
estabelecimento de Estados nacionais etnicamente homogêneos por meio de partilhas e transferências
populacionais, como um modo humanitário de refazer fronteiras, Estados e populações, já que se anteciparia e
se realizaria de modo supostamente pacífico o que a limpeza étnica produziria com violência. Desta maneira,
busco entender como certas noções de violência compõem políticas de partilha ao produzir distinções,
circunscrever possibilidades, limites e necessidades de ação e intervenção, distribuídas desigualmente
segundo uma matriz civilizatória que rebaixa destinos possíveis.
Limpeza étnica enquanto categoria se estabeleceu desde então como parte do vocabulário jurídico do direito
internacional e do imaginário dos crimes contra a humanidade, mas além disso foi incorporada ao vocabulário
conceitual das ciências sociais, como categoria analítica passível de ser aplicada retroativamente a uma
série de processos históricos retendo algo de sua carga moral, estabilidade e potencial jurídico, inclusive
para processos pensados como transferência populacional, apostando em sua denúncia e indistinção. Gostaria
por fim de discutir algumas das flutuações entre descrição, análise e denúncia da violência encapsuladas nas
transformações e instabilidade destas categorias, refletindo sobre as possíveis relações entre crítica da
violência, sua reificação, justificação e infiltração em nossa escrita.