ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 057: Etnografias em contextos de violência, criminalização e encarceramento
A distinção da violência: políticas de partilha, limpeza étnica e transferência populacional
Neste trabalho gostaria de refletir sobre alguns modos de distinção e caracterização de práticas e experiências sob o signo da violência, notando em especial suas dimensões temporais e como isto impacta formas de gestão de populações e territórios. Com isto, minha intenção não é discutir se algo deve ou não ser entendido como violência, nem seu tipo. Concretamente, a partir de uma etnografia documental centrada na circulação de categorias da violência e tecnologias de governo, gostaria de explorar a produção da (in)distinção discursiva entre limpeza étnica e transferência populacional, concentrando-me no campo de debate sobre partilhas como um modo de intervenção internacional e solução humanitária para conflitos étnicos, como desenvolvido nos anos 1990 a partir do contexto da guerra nos Balcãs, mas que reverbera e se ancora nas discussões e tecnologias imperiais da primeira metade do século XX, especialmente relativas à Partilha da Índia (1947) e à Partilha da Palestina (1947). A compreensão pública da violência da guerra nos Balcãs foi marcada pela emergente noção de limpeza étnica, cuja descrição articulava uma imagem do horror que parecia impelir à ação moral para remediar tal situação. Neste contexto, entre diversas propostas de solução, alguns influentes intelectuais defenderam o estabelecimento de Estados nacionais etnicamente homogêneos por meio de partilhas e transferências populacionais, como um modo humanitário de refazer fronteiras, Estados e populações, já que se anteciparia e se realizaria de modo supostamente pacífico o que a limpeza étnica produziria com violência. Desta maneira, busco entender como certas noções de violência compõem políticas de partilha ao produzir distinções, circunscrever possibilidades, limites e necessidades de ação e intervenção, distribuídas desigualmente segundo uma matriz civilizatória que rebaixa destinos possíveis. Limpeza étnica enquanto categoria se estabeleceu desde então como parte do vocabulário jurídico do direito internacional e do imaginário dos crimes contra a humanidade, mas além disso foi incorporada ao vocabulário conceitual das ciências sociais, como categoria analítica passível de ser aplicada retroativamente a uma série de processos históricos retendo algo de sua carga moral, estabilidade e potencial jurídico, inclusive para processos pensados como transferência populacional, apostando em sua denúncia e indistinção. Gostaria por fim de discutir algumas das flutuações entre descrição, análise e denúncia da violência encapsuladas nas transformações e instabilidade destas categorias, refletindo sobre as possíveis relações entre crítica da violência, sua reificação, justificação e infiltração em nossa escrita.