ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 035: Cidades e citadinidades: questões de Antropologia Urbana
Etnografias urbanas e seus ancoradouros: regimes de mobilidade e chokepoints no Porto de Santos
Esta comunicação deriva do diálogo entre campos de pesquisa distintos, porém convergentes em seu interesse pelas mobilidades socioespaciais como grade analítica. O objetivo é apresentar e testar três noções cujo entrelaçamento guarda potencial heurístico para as socioetnografias urbanas, especialmente aquelas que se voltam ao papel central desempenhado pelos mercados informais e ilegais na reconfiguração das cidades, a saber: ancoradouros, regimes de mobilidade e chokepoints. Ao mesmo tempo um espaço-chave, um ponto de observação e um dispositivo analítico, o ancoradouro articula fluxos, fricções e infraestruturas, permitindo o deciframento dos regimes de mobilidade e seus pontos de estrangulamento (Freire-Medeiros, 2022). No âmbito do projeto “Carros Globais: uma pesquisa urbana transnacional sobre a economia informal de veículos (FAPESP e ANR)”, identificamos mundo afora diversos ancoradouros – portos, oficinas mecânicas, ferros-velhos, lojas de revenda e autopeças, leilões, fronteiras – que são estratégicos para articular distintas “jornadas (de carros, peças de automóveis, políticas, capitais) e “territórios (em várias escalas). Em cada um desses ancoradouros, as interações entre diversos agentes sociotécnicos produzem, tanto quanto são resultado de, fricções e rupturas que revelam a complexidade do sistema de automobilidade, tomado aqui como estruturante da vida urbana nos dois hemisférios. Nessa grande interpretativa, o Porto de Santos é um ancoradouro de alta relevância: considerado o maior complexo portuário do Hemisfério Sul em movimentação de cargas (mais de 170 milhões de toneladas por ano), por ele passam intensos fluxos transnacionais de importação e exportação necessários às "cidades carrocêntricas": veículos de grande porte, carros populares novos e usados, diversas autopeças, componentes eletrônicos essenciais para a produção de veículos, tudo isso entrelaçado à circulação de uma infinidade de pessoas, capitais e informações que dão concretude empírica àquilo que o giro móvel chama de mobilidades sistêmicas (Urry, 2007). Palco da maior parte das apreensões de cocaína de todo o país, o Porto de Santos concentra checkpoints, chokepoints, tecnologias de monitoramento e controle, permitindo observar combinações complexas entre movimentos, pausas e fixidez. A partir de descrições etnográficas dessa infraestrutura, resultantes de um extenso trabalho de campo realizado desde longa data por uma de nós (Vianna, 2022), colocamos à prova essa tríade analítica (ancoradouro, regime de mobilidades e chokepoints) que pretende apreender as dinâmicas entre fluxos e fixos, discursos e práticas (formais e informais), mercados legais e ilegais em diferentes contextos urbanos.