Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 023: Antropologia e saúde mental: sofrimento social e (micro)políticas emancipatórias
"Aquilo prejudica dentro da pessoa": sofrimento e saúde mental entre adolescentes e jovens de camadas pobres
O tema da saúde mental vem apresentando relevância exponencial entre adolescentes e jovens. Se pudemos observar um recrudescimento de sofrimentos a partir do isolamento social e seus efeitos nos períodos pandêmico e pós-pandêmico, as discussões sobre ansiedade e depressão já se faziam presentes anteriormente. Este trabalho surge do acervo de dados produzidos, entre 2018 e 2023, em pesquisas com adolescentes e jovens. Os sujeitos tinham entre 11 e 23 anos e moravam em duas comunidades periféricas de São Paulo. O objetivo foi compreender como aspectos e condições sociais, culturais e simbólicas configuram experiências de sofrimentos. Os instrumentos metodológicos mobilizados foram observação em espaços de sociabilidades, organizações comunitárias e escolas públicas, conversações etnográficas e entrevistas abertas. O sofrimento social remete a compreensão das relações entre a experiência subjetiva do mal-estar e os processos históricos e sociais mais amplos. Por um lado, violências estruturais vão modulando relações cotidianas, de modo a condicionar arranjos e trocas possíveis entre pares e com os adultos próximos. Se entre os adolescentes prevaleceu narrativas de "falta", vazio e dor na relação com os pais, os jovens, já trabalhadores, ponderavam ascendências de condições de vida e de trabalho nas maneiras de exercer maternidade/paternidade. Outra frente de análise é o binômio julgamento-vergonha nas interações de intimidação e aviltamento entre pares: havia um receio corrente pelo julgamento da aparência, comportamento e ideias. O julgamento foi definido como ação de valor estigmatizante ou de invalidação. Assim como, situações de racismo cotidiano que evocam a opressão e o não-pertencimento como sujeitos em determinados espaços. O racismo aponta à luta contra sentimentos depreciativos imputados, que se enraízam na subjetividade, ao mesmo tempo em que defendem a necessidade de pautar a igualdade. Restam ainda as questões emergentes na transição para a adultez, que interseccionam expectativas normativas para cumprir marcos biográficos, insegurança ontológica e a concepção do projeto de vida. Por outro, a cultura e os saberes psi passam a integrar o universo simbólico de adolescentes e jovens. O valor conferido ao psicólogo e a terapia está intrinsecamente relacionado a ausência de espaços de diálogo educativo e compreensivo na trama intergeracional familiar e escolar. Há um anseio por apoio ao processo de autoconhecimento e para lidar com problemas e relações pessoais. Mobilizar o sofrimento social permite trabalhar a saúde mental a partir do princípio da integralidade do cuidado, tornando-se um importante contraponto aos discursos e programas de intervenção para a adolescência, que tendem a focalizar a saúde sexual e reprodutiva.
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