Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 057: Etnografias em contextos de violência, criminalização e encarceramento
Colocando nossos blocos na rua: os limites e potencialidades do fazer etnográfico em contextos de
violência
O presente artigo surge do diálogo entre cinco etnógrafas que realizam distintas pesquisas em quatro
estados brasileiros: Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo. Embora cada uma dessas
investigações reflita especificidades teóricas, temáticas e territoriais, todas estão imersas em contextos
de violência, precariedade, criminalização e encarceramento, sendo nossos trabalhos de campo desenvolvidos
em unidades prisionais e/ou periferias urbanas. Como resultado, tais contextos e lugares não só compõem os
debates socioantropológicos nos quais estamos inseridas, mas tornam-se uma dimensão estruturante de nossa
reflexividade como pesquisadoras. Se a escrita etnográfica é feita da descrição densa dos vínculos,
mediações e articulações postos em movimento nas tramas de vida com as quais nos deparamos e engajamos em
campo, são as tensões e ambivalências abertas pela seleção, composição e descrição desses encontros que aqui
interrogamos. A partir de nossas interlocuções, percebemos que essas são preocupações comuns aos nossos
percursos de pesquisa, muito embora sejam poucas vezes elaboradas e publicizadas. Por tal motivo, nos
propomos a refletir sobre os desafios, as potencialidades e os limites metodológicos e epistemológicos
identificados ao longo de nossos fazeres etnográficos e durante o processo de construção de nossas escritas,
bem como a debater os caminhos aos quais aderimos e suas decorrentes justificativas. Consideramos, por
exemplo, o risco à reificação de nossos objetos de estudo como consequência da seleção das informações
coletadas; o reforço, por meio da exposição de certos dados, a representações sociais essencialistas e, no
limite, punitivistas; as possibilidades concretas de reconhecimento da agência e da competência das atrizes
e dos atores na reconstituição de situações; e, enfim, a mobilização de nossas escritas por meio de usos e
contra usos pontuais e não necessariamente convergentes com os propósitos dos trabalhos. Diante de questões
como essas, debatemos sobre o papel ativo que assumimos em cada uma de nossas pesquisas e sobre as escolhas
que efetuamos (Fonseca, 2008), a fim de refletir de modo mais amplo sobre um fazer sociológico e
antropológico que, nesses contextos etnográficos, reconheça os vínculos e as narrativas partilhadas por
nossas interlocutoras e nossos interlocutores fugindo de uma condescendência intelectual que reproduza
descrições romantizadas do que vemos, ouvimos e testemunhamos em campo, mas desenvolvendo táticas que evitem
decair em uma cumplicidade, ainda que indireta, com a incitação da violência, com a negação dos atores como
sujeitos de direitos e com o reforço à criminalização (cf. Cidade & Trabalho, 2020; Godoi et al., 2020;
Marques, 2017; Salla, 2020).