ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 011: Antropologia da técnica
A vida no Queijo Serrano importa: etnografia sobre um queijo produzido no sul do Brasil
Nos Campos de Cima da Serra, região situada ao nordeste do Rio Grande do Sul e sudeste de Santa Catarina, é realizada a produção tradicional de Queijo Serrano. O queijo é um produto artesanal, feito à base de leite cru recém ordenhado, sal e coalho. As condições ambientais, climáticas, territoriais e microbiológicas fazem deste queijo um produto único, com aromas e sabores característicos. Cultura, identidade, tradição, saber fazer e outros elementos são traços distintivos deste queijo. No entanto, no Brasil – e particularmente no Rio Grande do Sul –, as normas sanitárias para produtos de origem animal são extremamente restritivas e inadequadas à realidade dos pequenos produtores. Essas regulamentações são frequentemente projetadas para atender às grandes indústrias, o que as torna pouco adequadas para estimular e facilitar a inclusão no mercado formal do queijo produzido por famílias, de modo artesanal. Partindo dessa questão em direção a um diálogo possível, esta pesquisa propõe uma abordagem que visa aprofundar a compreensão desses conflitos, examinando as noções de vida que estão em questão. Propõe-se pensar sobre uma coevolução do ser humano com a fermentação (KATZ, 2011), abordagem que se distancia da que propõe uma relação antropocêntrica com o ambiente (SÜSSEKIND, 2018), aproximando-se de uma Antropologia da Vida (INGOLD, 2015). A urgência da questão está na necessidade de uma mudança de paradigma: trocar a ideia de um mundo asséptico pelo entendimento de que – como no estudo de Benemann (2021) – cozinhamos com outras vidas. Ou, pensando no queijo, produzimos com outros vivos. Sandor Katz (2011) discute a fermentação como um fator integral da evolução do ser humano. Ele entende - pensando na alimentação - que a fermentação é a transformação do alimento por fungos e bactérias diversos. Logo, o queijo é, essencialmente, leite coalhado e fermentado por outras vidas. Como Nicole Benemann (2021) propõe, trata-se de cozinhar (com) outros vivos, criando sabores coelaborados em uma cozinha viva. Pensando com Katz (2011), o fermento está enraizado na cultura humana. O queijo é parte disso, pois, ao longo dos séculos, produtos fermentados - como pão, vinho, iogurte e cerveja - têm sido consumidos ao redor do mundo. Culturalmente, traçamos nossos caminhos epistêmicos cotidianos em interação com outras formas de vida, coexistindo e coevoluindo com elas. Em vez de aniquilá-las, convivemos com elas - uma prática humana que persiste desde tempos imemoriais. Assim, a etnografia realizada visa contribuir à preservação da prática tradicional de produção do Queijo Serrano, além de incidir em debates teóricos no campo da Antropologia, explorando a ideia de vida e conectando-se com estudos sobre alimentação.