Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 085: Pesquisas sobre infâncias a partir das cosmologias tradicionais
Infâncias e patrimônios alimentares: notas a partir de dois contextos socioculturais brasileiros
Este trabalho pretende fomentar a seguinte discussão: se e de que maneira as crianças exercem papel
ativo na construção dos patrimônios alimentares. Para tal, serão apresentadas vivências e representações
infantis situadas em dois contextos socioculturais brasileiros: o primeiro, entre as crianças indígenas
Galibi-Marworno, do estado do Amapá, com as quais realizei uma etnografia que resultou em minha dissertação
de mestrado (CODONHO, 2007) e o segundo, entre crianças não indígenas em contexto escolar na cidade mineira
de São João Batista do Glória, por ocasião de um projeto de extensão voltado à execução do PNAE (Programa
Nacional de Alimentação Escolar), ocorrido no ano de 2018.
As referências teóricas para tal intento são embasadas nos campos da Antropologia da Infância, bem como nos
estudos acerca das culturas alimentares. Além disso, busca-se uma interpretação seminal do fenômeno a partir
de um problema típico da modernidade: a separação (ou conjunção) entre natureza e cultura, como propõe Bruno
Latour (LATOUR, 2019).
Embora não se trate de um trabalho sistematicamente comparativo, o tema comum a estes dois ambientes versa
sobre as relações estabelecidas pelas crianças com os alimentos, assunto muito pouco discutido, sobretudo no
que se refere a um certo protagonismo infantil.
Uma vez que os estudos recentes sobre patrimônios alimentares abarcam a discussão acerca da cultura
imaterial, para além da material (UNESCO 2003), constata-se o quanto o recurso à tradição mostra-se como um
mecanismo utilizado para a consolidação de narrativas identitárias, consolidação de mercados e até mesmo uma
certa fetichização acerca de alimentos tidos como tradicionais.
Em contrapartida à ideia de tradição, o conceito de infância entre muitas sociedades, sobretudo as
ocidentalizadas, traz consigo um certo frescor que aparentemente se contrapõe a um constructo de
tradicionalismo, parecendo-nos à primeira vista estranho associar crianças enquanto agentes de elaboração e
manutenção de um patrimônio alimentar.
Entretanto, em ambos contextos tornou-se claro o quanto o ato alimentar entre crianças vai muito além de uma
ação utilitária ligada apenas às prescrições de nutrir seus corpos através dos elementos naturais presentes
na comida. Mais do que isso, há toda uma rede de saberes e significados, que incluem relações de
pertencimento e poder ao redor da classificação e do manejo dos alimentos por elas acionada que as tornam
grandes responsáveis pela ressignificação e manutenção das tradições. Neste sentido, o termo comedores em
contexto (TORRALBA & GUIDALI 2015) traduz bem a potência contida na mobilização identitária infantil em
torno dos patrimônios alimentares.