ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Trabalho para Mesa Redonda
MR 47: Mundos, estranhamentos mais-que-humanos e expansões no fazer etnográfico
Tilápia do Nilo, mulheres trans, médicos-cirurgiões e a insistência do melhor possível: praticando antropologia especulativa da vaginoplastia
Esta comunicação é um exercício em antropologia especulativa da medicina. Partindo da técnica cirúrgica da vaginoplastia com a pele de tilápia do Nilo, técnica pioneira de médicos-cirurgiões da Faculdade de Medicina da UFC, a intenção é exercitar um gesto especulativo sobre o emaranhado humano (médicos-cirurgiões) e mais que humano (tilápia do Nilo) na construção de um canal vulvo-vaginal como insistência do melhor possível para as mulheres trans que almejarem à cirurgia de redesignação sexual. Por insistência do melhor possível, o gesto especulativo de Debaise e Stengers (2016), isto é, de nada excluir, de nada desqualificar em uma situação dada, levando em conta a multiplicidade das dimensões que compõem a experiência hic et nunc, ou melhor, sem julgamento fora do experimentado da técnica cirúrgica com a pele de tilápia do Nilo, julgamento que domesticaria esta multiplicidade hic et nunc, em cirurgia, em termos de categorias ou de exigências que lhes seriam estrangeiras. No que concerne mais especificamente ao conceito de melhor, a inspiração vem de Bruno Latour (2019), quando esse autor desenvolve o conceito de melhor mundo possível associado à boa combinação. Ainda neste sentido, busca-se, com esta comunicação, compreender a boa combinação (vaginoplastia com pele de tilápia do Nilo) também recorrendo ao que propõem Annemarie Mol e John Law (2002), quando os autores recobram que a questão não é apontar se a técnica cirúrgica é boa ou ruim, como se houvessem padrões, mas se ela é melhor ou pior do que era, do que suas alternativas, do que um limite acordado, do que seria de esperar, em que avaliações envolvem comparações em cada procedimento cirúrgico. Esta comunicação, por fim, não se centra nas questões políticas identitárias de mulheres trans, mas na abertura de diálogo com o conceito de metamorfose em Emanuele Coccia (2020), isto é, de pensar a construção do canal vulvo-vaginal com pele de tilápia do Nilo não em termos de afirmação de uma identidade/gênero, mas como uma metamorfose entre humanos e mais que humanos, em que o colágeno da pele de tilápia do Nilo com as células do corpo humano se torna o prolongamento da vida da tilápia do Nilo levada para outro lugar. Trata-se, aqui, de descartar a oposição entre o vivo (a mulher trans) e o não vivo (a pele de tilápia do Nilo), pois a mulher trans não apenas está em continuidade com a pele de tilápia do Nilo, mas ela é seu prolongamento doravante, sua metamorfose, sua expressão mais extrema.