Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 023: Antropologia e saúde mental: sofrimento social e (micro)políticas emancipatórias
"Contexto pra lá, contexto pra cá": Contribuições antropológicas para a formação de psicólogos-psicoterapeutas
Afinal, o que significa o repetido uso da palavra contexto na formação de psicólogos-psicoterapeutas no Brasil? A partir de inserção etnográfica junto a um grupo de estágio e serviço de psicoterapia racializada para universitários negros, discuto a formação de psicólogos para atenderem demandas raciais na clínica psicológica. O recorte escolhido para este paper foi a discussão dos documentos que regem a formação de psicólogos. Especificamente, me debrucei sobre dois documentos: As Diretrizes Nacionais Curriculares para os cursos de graduação em psicologia (DCN) e o Projeto Pedagógico do curso de Psicologia (PPC) da universidade investigada. As DCNs e o PPC definem, em âmbito nacional e local respectivamente, princípios e compromissos; competências e habilidades gerais; eixos estruturantes; ênfases curriculares e orientações nos âmbitos do ensino, pesquisa e estágio para os cursos de psicologia, sempre prezando por uma aplicação contextualizada dos conhecimentos psicológicos. Nas DCN, um documento em formato de lei contendo seis páginas, a palavra contexto aparece 15 vezes, já no PPC, documento com quase 150 laudas, a frequência do uso da referida palavra também é alta, 78 vezes - mas nem todas com o sentido formativo. Embora a palavra contexto não pareça necessitar de detalhamento em seu significado, o sentido do uso é diferente a depender do referencial teórico utilizado, pois podem ser reduzidas à variáveis ambientais, sem muito aprofundamento, como feito pela psicologia social cognitiva estadunidense, em contraste com as perspectivas críticas em que o contexto sociocultural e suas dinâmicas hierárquicas são o ponto de partida para as análises em termos teóricos, como na decolonialidade ou na aplicação psicoterapêutica das etnopsicologias, etnopsicanálise e etnopsiquiatria ou simplesmente das intervenções psicoterapêuticas atentas à realidade social e comprometida com as demandas do território. De forma comum, todas essas etnopsis apropriam-se de reflexões antropológicas para fundamentar o entendimento de contexto sociocultural enquanto estruturante dos processos de subjetivação e para saúde mental, sendo identificado inclusive, como uma forte justificativa para a inserção da antropologia e de antropólogos na formação em saúde mental, uma vez que situar o sujeito em sua cultura auxilia na probabilidade de eficácia das intervenções. Nesse sentido, defendo que a palavra contexto venha acompanhada do termo ao qual se objetiva frisar, sob o perigo de ser utilizada somente como um totem vazio, que na verdade deixa de citar as violências estruturais da sociedade brasileira, como o racismo, e assim, contribui para o mito da democracia racial, sintomático no país, que apenas potencializa o recrudescimento do racismo.