Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 051: Envelhecimentos, Interseccionalidade e Cuidados
Envelhecimento e vergonha: quando aquela que cuida não pode mais cuidar
O presente trabalho visa refletir como envelhecimento e trabalho de cuidados se encontram nas
experiências de sofrimento de mulheres usuárias de um serviço de saúde da família de um município da região
serrana do Rio de Janeiro. Esta reflexão parte da minha experiência enquanto psicóloga residente na unidade
de saúde, entre março de 2023 e 2024. Este município conta com 21,3% de idosos em sua população, acima da
média nacional, que pelo Censo realizado em 2022 apresentou um percentual de 15,6 % de idosos. Ao longo de
meu primeiro ano no programa de residência multiprofissional em saúde da família, me encontrei com a
frequente demanda de atender usuárias idosas em suas casas, devido à dificuldade de locomoção. Em outros
momentos, tive a oportunidade de propor um grupo de convivência que contou com a participação de 15 mulheres
idosas ao longo do ano, ocorrendo semanalmente no território. Nestes dois espaços de cuidado, as categorias
de vergonha e humilhação foram frequentemente nomeadas pelas usuárias diante da experiência de depender de
cuidado de outro sujeito, posição na cadeia de cuidados (FRASER, 2017) que já desconheciam após uma longa
vida cuidando de todos que as cercam. Agora, inverte-se a relação, e em seus relatos esta nova configuração
produz sofrimento. Podemos assim nos aproximar das relações de cuidado enquanto relações de poder (BUTLER,
2019; LOWENKRON, 2015). Cuidar em excesso adoece mas é, para muitas, aquilo que garante um lugar de
estabilidade no tecido social. Relatam em suas narrativas uma vida dedicada ao cuidado e como assumir este
trabalho incessante de reprodução da vida foi fundamental para que seus filhos e netos tivessem uma vida
melhor. Compartilham da máxima Quem não vive para servir, não serve para viver, que circula em seus grupos
de oração religiosa, e comumente lamentam-se, com vergonha, pelo fato de precisar agora destes filhos e
netos para realizar atividades básicas, como fazer arroz ou limpar a janela. Compartilham, muitas delas, que
o que produz saúde são atos de cuidado, atos que ainda conseguem fazer, e temem que tão logo não possam mais
desempenhá-los. Trazem frequentemente uma dificuldade em lidar com as necessidades e ofertas de cuidado, o
que às vezes aparece como uma recusa - fecham-nos a porta, não atendem o interfone, não aparecem nos
atendimentos agendados. Por meio da busca ativa, uma das atribuições comuns a todos os profissionais da
atenção básica (BRASIL, 2017), retomamos o cuidado com as usuárias. Neste contexto, esta pesquisa busca
explorar como estas idosas relacionam-se com a questão inescapável do cuidado no processo de envelhecimento.