Trabalho para Mesa Redonda
MR 47: Mundos, estranhamentos mais-que-humanos e expansões no fazer etnográfico
Devires-kami e estranhamentos quiméricos: um olhar antropológico sobre a atualização dos animismos
japoneses na contemporaneidade
A presente exposição objetiva um olhar antropológico sobre os animismos japoneses na contemporaneidade,
pensados sempre no plural, e a centralidade da noção de natureza e do meio ambiente na vida social, na
religiosidade e na subjetividade japonesas. Busco demonstrar como tais animismos e suas narrativas
relacionadas a natureza, estética e religião fazem com que espíritos, deidades, pessoas, plantas, pedras,
robôs e animais coabitem o mundo, ignorando as fronteiras entre humanos e não-humanos. Compreende-se que, no
Japão, o animismo (アニミズム, animizumu) tem suas raízes
no Shintō (xintoísmo), uma forma tipicamente japonesa de relação e interação com o mundo, pensada
aqui em um paradigma de ressignificação do conhecimento tradicional que pode contribuir para os debates
ambientais na antropologia, compreendendo que a relação entre natureza (自然, shizen) e
os aspectos religiosos do Shintō estabelecem um sentimento reverente para com esta natureza que
regula o modo de vida e a moral do povo japonês. Buscarei apontar as formas através das quais as
atualizações do complexo cosmológico Shintō e dos animismos japoneses estabelecem uma relação mais
dialógica e democrática com os seres que habitam as florestas do Japão, destacando os vínculos locais e
comunitários em um país que avança cada vez mais em políticas desenvolvimentistas e predatórias cujas
implicações são a marca das crises que vivemos no Antropoceno. Assim, para esta comunicação, usarei como
foco de análise o Festival de Outono de Takayama (Takayama Matsuri), uma festividade tradicional de caráter
regional, simbólico e cerimonial. Os matsuri são momentos importantes para reverenciar as deidades
(神, kami) a ela relacionadas e tornam visíveis as complexas tramas entre o que, no ocidente,
diferenciamos como o binarismo natureza-cultura. Tais festividades serão vistas, então, como atualizações
dos animismos no Japão através de ritos de coesão social, sendo um dos muitos exemplos de como o imaginário
rural, fabricado através da crescente dicotomia entre rural e urbano a partir do final do período Edo
(século XIX), permanece vivo e fundamental para o pensamento japonês contemporâneo.