Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 057: Etnografias em contextos de violência, criminalização e encarceramento
A relação entre os indígenas Guajajara e os aparelhos punitivos estatais
O presente trabalho tem por objetivo apresentar a experiência de pesquisa realizada na Terra Indígena
Rio Pindaré, no Maranhão, no intuito de buscar desenvolver uma reflexão sobre o modo como se dão as práticas
de resolução de litígios entre os Guajajara, em suas soluções endógenas e naquelas articuladas com a justiça
estatal.
Pretendo mostrar que, entre os Guajajara, há modos tradicionais de solucionar conflitos internos sem que,
para isso, se recorra à tecnologia prisional. No entanto, muitas vezes os aparelhos policiais e judiciários
do Estado brasileiro incidem sobre o cotidiano do povo, ora como forças exógenas que se impõem às práticas
tradicionais, ora como parceiros e aliados. Entre esses dois extremos, há toda uma miríade de situações da
vida real que são constantemente e cotidianamente problematizadas pelos próprios Guajajara e que variam de
aldeia para aldeia, de território para território.
Durante a realização do trabalho de campo, foi possível classificar as práticas de solução de litígio em
três tipos: simples, média e complexa, que variam conforme os atores envolvido e, principalmente, a
participação do sistema de justiça do Estado Brasileiro, ou seja, a justiça universalizante. Dependendo da
transgressão causada pelo indivíduo, o grau da punição a ser aplicado pode variar, assim como o conjunto do
júri para a deliberação da pena do sujeito causador de um conflito. De todo modo, é possível afirmar que a
comunidade constitui regras para tomar uma decisão e para manter essa decisão em vigência, nas percepções de
suas características tradicionais. Além disso, se percebeu também que, para os Guajajara, a unidade jurídica
não é o indivíduo, mas a pessoa e suas redes amplas de relações. Por isso, a análise de casos de conflitos
precisa ser ponderada com cautela, para não influenciar na exaltação dos clãs do acusado e da acusação.
Os conflitos causados por litígios nesta T.I. demonstram características peculiares da política interna, do
modo como esses Guajajara tratam os seus conflitos, baseados em princípios morais de regras internas de
condutas. Mas conclui-se que, devido às mudanças ocorridas na região, foram desencadeadas relações
interétnicas com o sistema de justiça da sociedade abrangente, que em alguns casos vem se impondo às
alternativas praticadas pelos Guajajara para tratar conflitos internos. Contudo, este trabalho chama atenção
para pontos em que a sociedade civilizada tem muito que aprender com uma comunidade indígena, em particular
na significação de percorrer outros caminhos na cientificidade do estudo teórico sobre conflito, crime, e na
maneira de julgar uma pena a um transgressor da ordem.