Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 079: O visível e o in(di)visível: ciências, conhecimentos e produções de mundos.
Mito e pensamento: uma experimentação crítica do fazer etnológico às epistemologias indígenas
A Mitologia, ou o estudo dos mitos é um dos campos compartilhados entre a História e a Antropologia.
Nessa última, as narrativas míticas ganharam destaque a partir do século XX, à medida que a pesquisa
etnográfica se estabelecia nas regiões sob colonização. A transposição de certos elementos da grade
analítica dos mitos de sociedades antigas, como a Grega, para a análise das narrativas indígenas pode ser
objeto de problematização, na medida em que se tratam de mundos diferentes em tempo, espaço e realidade.
Nesse sentido, o trabalho é uma experimentação crítica sobre a utilização da categoria mito nos estudos
etnológicos e a dicotomia estabelecida entre mito e pensamento. De um lado, o pensamento caracterizado como
reflexivo, filosófico, positivo, científico, um tanto-faz de adjetivações típicas do discurso da Modernidade
e, de outro, o mito, ora colocado em oposição a filosofia, ora a ciência, mas sempre, implícita ou
explicitamente, em posição de inferioridade, estático no tempo, grudado a dimensão concreta e não reflexiva,
e nunca um sistema de conhecimento capaz de descrever, refletir e agir sob a realidade. Realizo uma breve
análise de três textos, curiosamente todos de autoria francesa, relevantes nos estudos das narrativas
míticas, buscando, em um primeiro momento, descrever o que os autores caracterizam como mito e como
pensamento, e apontar os aspectos em que se aproximam. O percurso analítico parte da abordagem de
Jean-Pierre Vernant (1990), acerca do mito e do pensamento grego, passa pela abordagem estruturalista dos
mitos no contexto ameríndio, trabalhando com a proposta de Claude Lévi-Strauss (1987), e se finaliza com as
reflexões de Pierre Clastres (1990) acerca do conjunto de narrativas do povo Guarani, dentre os quais
pesquisou na década de 1960. Depois da exploração dos conceitos de cada autor, proponho a crítica. Para
isso, recorro a Mauro Almeida (2013) e o seu reconhecimento da existência de conflitos entre ontologias.
Busco mostrar como o fazer etnológico dos autores explorados trata os sistemas de conhecimento indígenas a
partir de pressupostos ontológicos não-indígenas, e como esse tratamento não é pacífico, mas conflitivo.
Argumento que pensar o conjunto de narrativas indígenas da mesma maneira que se pensa sobre os mitos gregos,
isto é, sobre as histórias míticas de origem da Modernidade, é forçar incompatibilidades, é lidar
conflituosamente com o pensamento indígena, mesmo que com uma roupagem relativista. Por fim, em um último
momento do trabalho, apresento alternativas indígenas para o tratamento teórico das narrativas dos povos
ameríndios e uma reflexão sobre o que é e o que pode ser ciência para além dos moldes modernos, baseando-me
no trabalho do antropólogo João Paulo Lima Barreto (2018), do povo Yepamahsã (Tukano).