Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 030: Arranjos contemporâneos de parentalidades
Monitorando cuidados, produzindo famílias
Discutiremos resultados de pesquisas etnográficas desenvolvidas entre 2013 e 2019, em uma cidade do interior da Paraíba, em que buscamos compreender como pressupostos sobre gênero e família e moralidades maternas se articulavam na implementação de programas de inclusão social como o Criança Feliz (PCF) e o Programa Bolsa Família (PBF). O PCF tem como finalidade “promover o desenvolvimento integral das crianças na primeira infância, considerando sua família e seu contexto de vida”, tendo como um dos pilares de sua atuação as visitas domiciliares por profissionais chamadas de “visitadoras”. O PBF, por sua vez, é um programa de transferência condicionada de renda internacionalmente reconhecido por seu impacto na mitigação da fome, na redução da pobreza e no acesso a direitos básicos das famílias “em situação de extrema pobreza”, por meio das condicionalidades. O trabalho de campo teve por base o acompanhamento das visitas domiciliares do PCF, assim como das ações das agentes de saúde no controle das condicionalidades do PBF. Essa experiência, somada à análise da legislação e documentos oficiais orientadores destes programas, indica-nos que partem do pressuposto de que as famílias pobres não têm conhecimentos suficientes sobre como cuidar das crianças. Sendo assim, seria necessário educá-las para que possam cuidar e “estimular” adequadamente seus filhos (PCF), e monitorar o cumprimento das condicionalidades, para assegurar o cuidado com saúde e educação (PBF). O foco das ações é colocado nas mulheres, responsabilizando a figura materna por problemas enfrentados pelo núcleo familiar e por desigualdades estruturais duradouras. Em ambos os casos, é estabelecida uma hierarquia de responsáveis pelos cuidados, em que a mãe é colocada como cuidadora primária, e, na sua ausência, este lugar passa a ser ocupado por outras mulheres, como avós, tias e irmãs da criança, raramente os homens. Além disso, acaba-se delegando atividades adicionais às demandas de cuidado das mulheres, como as exigências das condicionalidades e as atividades repassadas pelas visitadoras. Estes programas têm um entendimento bastante específico de família, reduzido à relação mãe-bebê, embora os materiais orientadores das ações das equipes, compostas quase que exclusivamente por mulheres, utilizem termos que visam ampliar o possível espectro de cuidadores. Aliando-nos a estudos que percebem estas iniciativas como geradoras da feminização da inclusão e politização da maternidade pretendemos discutir como estas orientações das políticas públicas e seu repertório legal promovem uma persistente avaliação das práticas de cuidado das famílias com que atuam, assim como questionamentos dos arranjos familiares e de cuidado em sua diversidade.