ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 023: Antropologia e saúde mental: sofrimento social e (micro)políticas emancipatórias
Os tempos da reforma psiquiátrica: há algo de novo por vir?
Neste trabalho revisito arquivos de pesquisas construídos no diálogo com usuárias/os de serviços de saúde mental com o objetivo de problematizar o momento atual da assistência psiquiátrica no Brasil. Trata-se de um ensaio teórico amparado nos arquivos de pesquisas etnográficas realizadas em três tempos entre os anos de 2011 e 2021. Foram realizadas em momentos distintos da reforma psiquiátrica brasileira, mantiveram em comum o diálogo com usuárias/os dos serviços de saúde mental e, a partir da análise empreendida nos arquivos, apontam para dois aspectos relevantes para a compreensão do momento atual da assistência psiquiátrica: (a) os processos de desinstitucionalização requerem um investimento na dimensão sociocultural a fim de reposicionar socialmente a loucura, o que aparece como bastante frágil nas diferentes pesquisas realizadas; (b) a rede de atenção psicossocial requer mecanismos formais de interlocução com outros setores e coletivos capazes de promover a ampliação dos modos de ofertar a assistência psiquiátrica e de reconhecer a pluralidade de existências. A desinstitucionalização, para além da desospitalização e/ou da mudança estrutural e organizacional da RAPS, implica em criar novas possibilidades de assistência psiquiátrica calcadas na lógica da liberdade e na invenção de formas de cuidado junto às redes sociais dos sujeitos que acessam os serviços de saúde mental. No momento atual da reforma psiquiátrica brasileira, em que os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico e as comunidades terapêuticas estão sob desestabilização legal, importa retomar os aprendizados tidos até então no campo da atenção psicossocial, especialmente aqueles produzidos no diálogo com os usuários/as, a fim de encontrar pistas para a compreensão do presente. Ainda que tal desestabilização possa anunciar novos tempos, o que as pesquisas indicam é que há processos de universalização e ontologização de categorias centrais do campo da saúde mental, tal como a doença mental. Ainda assim, o que emergiu nas diferentes pesquisas realizadas foram possibilidades de interpretação, singularização e maior ou menor adesão a tais categorias como recurso para a produção de si e alívio do sofrimento de muitos sujeitos. Por fim, destaco que o diagrama de forças e formas que produzem o campo da saúde mental no Brasil está em processo de transformação e requer uma compreensão antropológica com a qual este trabalho pretende contribuir.