Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 008: Antropologia da Arte
Um General curador de arte: “A Retirada do Cabo de São Roque”, de Henrique Bernardelli (1927), por Hamilton Mourão
Em 28 de setembro de 2019, por ocasião das comemorações do Bi-Centenário da Independência do Brasil, o ex-vice-presidente e general da reserva Hamilton Mourão fez a seguinte fala em seu twitter: “Na data de hoje, em 1532, o Rei D. João III criava as #capitanias no #Brasil. Descoberto pela mais avançada #tecnologia da época, o País nascia pelo #empreendedorismo que o faria um dos maiores do mundo. É hora de resgatar o melhor de nossas origens.”. No dia posterior, o General segue com pronunciamentos na mesma linha e afirma: “Donatários, bandeirantes, senhores e mestres do açúcar, canoeiros e tropeiros, com suas mulheres e famílias, fizeram o Brasil. Só um povo empreendedor constrói um país dessas dimensões que segue o destino manifesto de ser a maior democracia liberal do Hemisfério Sul”.
Juntamente a esta última declaração, Mourão anexou quatro pinturas, que reforçam as projeções e os heróis nacionais por ele elencados. Essas pinturas são: “Retirada do Cabo de São Roque”, de Henrique Bernardelli (1927); “Mulato”, de Albert Eckhout (1643); Partida da Monção, de Almeida Junior (1897) e “Tropeiros”, de Henri Chamberlain (1821).
A seleção destas quatro pinturas é um curioso exercício de uma espécie de curadoria realizada pelo General. Mourão, ao nosso ver, criou ali uma “imagem” (Didi-Huberman, 2020), e não qualquer uma. As pinturas, juntas, montam uma espécie de exposição, materializam sintomas e indícios da comunidade por ele imaginada (Anderson, 2013) e do seu projeto de nação, alinhados a uma perspectiva que resuscita, ou enfatiza elogiosamente, determinados heróis nacionais e respectivas violências em longa duração.
Com Jacques Rancière (2009), reconhecemos que a política possui uma dimensão estética e que possíveis partilhas de um sensível unem ou diferenciam os sujeitos e, por que não, também unem ou diferenciam projetos de nação e as imagens e imaginários relativos a estes projetos. Paul Virilio (2005), por sua vez, expõe que as forças militares são regidas pela aparência – esta que imprime uma referência ao aparato estético de apresentação pessoal militar (que invoca lugares ordem, poder, controle, hierarquia e respeitabilidade) e, também, uma referência à expectativa sobre a aparência da própria comunidade, como deve ser imaginada e percebida. As duas possibilidades se comunicam narcisicamente e se encontram no reforço de imagens míticas e heroicas convenientes a determinados projetos, tais quais a imagem do bandeirante.
Na busca de criar uma espécie de mosaico em movimento, de estabelecer conversas entre fragmentos e entre cenas e contra-cenas, aqui propomos uma discussão sobre estas questões focada de uma das pinturas citadas – “A Retirada do Cabo de São Roque”, que, sob custódia do Museu do Ipiranga, ilustra o bandeirantismo.