Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 081: Os limiares do corpo: a circulação de substâncias corporais e a produção de pessoas e relações
Dentro do corpo, além da pele: uma análise etnográfica da testosterona como substância de
relacionalidade
O uso de testosterona sintética, substância de comercialização controlada no Brasil, é uma prática que
tem sido descrita na literatura antropológica como parte fundamental de processos de transição de gênero de
indivíduos que buscam se posicionar socialmente no gênero masculino. Sujeitos trans que vivem identidades de
gênero de homem, homem trans, homem transexual e outras identidades transmasculinas aplicam o "hormônio
masculino" periodicamente, atribuindo a essa substância efeitos androgênicos de crescimento da massa
muscular, engrossamento da voz e aumento dos pelos faciais, mas também alterações psicológicas, em
sensibilidades e em emoções. Todos esses fatores fazem da testosterona uma substância fundamental na
construção da identidade de gênero desses sujeitos.
Neste artigo, contudo, busco analisar o modo como a testosterona atua não apenas no corpo e subjetividade
dos indivíduos que transicionam para o gênero masculino, mas na produção de relações com outros homens
trans, amigos/as e familiares. A circulação de testosterona pode ou não incluir médicos, consultórios e
ambulatórios, mas extrapola e expande os limites da medicalização da transição de gênero.
A partir de dados de uma pesquisa de campo etnográfica realizada ao longo de um ano com famílias de sujeitos
trans, analiso casos de mães que aplicam testosterona nos filhos e em amigos dos filhos, homens trans que
aplicam hormônio em outros homens trans, amigos que ajudam uns aos outros a conseguir receitas ou ampolas de
testosterona e a fazer a aplicação. Nesse sentido, discuto a compreensão dos sujeitos a respeito dos
significados de receber e aplicar testosterona, assim como os efeitos atribuídos ao hormônio sobre as
interações e afetos em relacionamentos íntimos e familiares.
Argumento, por fim, que a testosterona circula em redes que se fazem e refazem. Essas redes podem ter
caráter efêmero e situacional, mas em muitos casos formam vínculos duradouros, adensando relacionamentos,
transformando outros e atuando não só nos processos de construção de identidades de gênero, mas na
constituição de pessoas e relacionalidades.