ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 081: Os limiares do corpo: a circulação de substâncias corporais e a produção de pessoas e relações
Dentro do corpo, além da pele: uma análise etnográfica da testosterona como substância de relacionalidade
O uso de testosterona sintética, substância de comercialização controlada no Brasil, é uma prática que tem sido descrita na literatura antropológica como parte fundamental de processos de transição de gênero de indivíduos que buscam se posicionar socialmente no gênero masculino. Sujeitos trans que vivem identidades de gênero de homem, homem trans, homem transexual e outras identidades transmasculinas aplicam o "hormônio masculino" periodicamente, atribuindo a essa substância efeitos androgênicos de crescimento da massa muscular, engrossamento da voz e aumento dos pelos faciais, mas também alterações psicológicas, em sensibilidades e em emoções. Todos esses fatores fazem da testosterona uma substância fundamental na construção da identidade de gênero desses sujeitos. Neste artigo, contudo, busco analisar o modo como a testosterona atua não apenas no corpo e subjetividade dos indivíduos que transicionam para o gênero masculino, mas na produção de relações com outros homens trans, amigos/as e familiares. A circulação de testosterona pode ou não incluir médicos, consultórios e ambulatórios, mas extrapola e expande os limites da medicalização da transição de gênero. A partir de dados de uma pesquisa de campo etnográfica realizada ao longo de um ano com famílias de sujeitos trans, analiso casos de mães que aplicam testosterona nos filhos e em amigos dos filhos, homens trans que aplicam hormônio em outros homens trans, amigos que ajudam uns aos outros a conseguir receitas ou ampolas de testosterona e a fazer a aplicação. Nesse sentido, discuto a compreensão dos sujeitos a respeito dos significados de receber e aplicar testosterona, assim como os efeitos atribuídos ao hormônio sobre as interações e afetos em relacionamentos íntimos e familiares. Argumento, por fim, que a testosterona circula em redes que se fazem e refazem. Essas redes podem ter caráter efêmero e situacional, mas em muitos casos formam vínculos duradouros, adensando relacionamentos, transformando outros e atuando não só nos processos de construção de identidades de gênero, mas na constituição de pessoas e relacionalidades.