Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 063: Gênero, sexualidade e raça: produção de diferenças e desigualdades na cidade
Prazer, territorialidade e racialidade: Etnografando o sexo em público à margem do Rio São Francisco
Desde 2021, tenho conduzido um trabalho de campo nas margens do Rio São Francisco, em Juazeiro da Bahia,
com o objetivo de explorar etnograficamente as intersecções entre sociabilidade e prazer. A cidade é
interpretada como uma cidade de interior, cuja urbanidade é construída na relação ruralidade e
etnicidade/racialidade (Domingues, Gontijo, 2021). Nas margens da cidade, ao longo do Rio São Francisco, é
comum a prática de sexo em público, geralmente experienciada por pessoas negras, ribeirinhas, pescadores e
transeuntes da urbe. A dinâmica de sexo em público neste território é delineada por duas práticas
interconectadas: a pegação e o trabalho sexual entre homens. A pegação envolve práticas sexuais casuais,
enquanto o trabalho sexual, conhecido localmente como bico, incorpora uma transação monetária no sexo. Ao
observar essas práticas, emerge uma complexa trama entre prazer, racialidade e território. As categorias de
"cafuçu" e "marginal" são centrais nas relações vivenciadas nesse espaço, sendo utilizadas tanto por aqueles
que desejam corpos identificados por essas categorias quanto pelos corpos que podem ser lidos através dessas
categorizações. As categorias expressam a ambivalência vivenciada por corpos racializados no espaço, entre a
abjeção e o desejo. Os corpos performam e são tachados por essas categorias.
Nesse contexto, a fluidez e negociação das categorias durante as interações destacam a importância da
interseccionalidade na produção de diferenças e sentidos no espaço urbano. O território, longe de ser fixo,
é construído nas relações entre as pessoas, constituindo-se, assim, como uma territorialidade marginal
(Perlongher, 1991). Argumento que a territorialidade do Rio São Francisco se expressa a partir dessa
ambivalência entre desejo e abjeção. Essas territorialidades implicam mobilizações e deslocamentos espaciais
e categoriais, envolvendo a materialidade de corpos, bem como os próprios lugares que esses corpos
percorrem. Compondo-se como um espaço à margem da cidade, o lugar opera não apenas como uma
desterritorialização do espaço público, a partir dos usos desejantes dos frequentadores, mas de Juazeiro em
si, constituindo uma margem que é construída e reconstruída pelo prazer/abjeção. Essa perspectiva oferece
uma chave para compreensão da intersecção entre sexualidade, racialidade e urbanidade, destacando a dinâmica
do desejo na cidade, mas também como essa urbe é continuamente construída por marcadores sociais.