ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 065: Igualdade jurídica e de tratamento: etnografias de narrativas, produção de provas, processos decisórios e construção de verdades
“Um pau-de-arara do século XXI”: uma etnografia do percurso político-jurídico da delação premiada no Brasil
Este trabalho aborda transformações associadas ao transbordamento de normas legais e práticas processuais entre sistemas jurídicos. Embora o impulso expansionista de formas jurídicas, usualmente em condições políticas assimétricas, não seja de modo algum um fenômeno novo, parece haver qualidades específicas no modo como a propagação de conceitos, normas e procedimentos processuais tem ocorrido no presente, em particular no que se refere ao alastramento global, a partir da década de 1990, de mecanismos de persecução penal característicos do direito anglo-saxão notadamente o instituto da plea bargaining, ou colaboração premiada. Tomando como referência o caso brasileiro, a etnografia segue inicialmente o percurso legislativo que deu origem à Lei 12.850/2013, que dispôs sobre a celebração de acordos de colaboração premiada em inquéritos e processos criminais, atentando às referências, justificativas e expectativas então presentes no debate parlamentar em relação aos seus efeitos. Em seguida, aborda julgamentos do Supremo Tribunal Federal que colocaram em debate, inicialmente, a natureza jurídica da colaboração premiada e, em seguida, impasses decorrentes da proliferação desse instituto, que teria se transformado, nas palavras de um dos ministros da corte, em um instrumento de verdadeira tortura psicológica, um pau de arara do século XXI, para obter provas’ contra inocentes”. A justaposição desses dois momentos da trajetória da delação premiada no sistema de justiça brasileiro leva a considerar como a propagação e recombinação de formas jurídicas desencadeia rearticulações conceituais e práticas nos sistemas específicos em que esses institutos passam a agir, com efeitos até certo ponto imprevisíveis e incontroláveis. Ao mesmo tempo, coloca em questão os próprios limites, desde sempre problemáticos, das fronteiras nacionais do (e no) direito.