Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 081: Os limiares do corpo: a circulação de substâncias corporais e a produção de pessoas e relações
"Agora são duas pessoas tomando comprimido": a gestão da vida sem o HIV a partir das relações de afeto
Ao longo dos anos, alternativas de tratamento e prevenção ao HIV progrediram de forma decisiva para a
garantia da vida na epidemia de aids. Apesar do Brasil registrar, nos últimos anos, um aumento no número de
novas infecções por HIV (Brasil, 2023); determinados avanços no campo biomédico possibilitam o vislumbre de
caminhos para superação da aids enquanto ameaça à saúde pública (Unaids, 2023). Neste trabalho, busco
retomar alguns aspectos presentes na minha dissertação de mestrado, no intuito de refletir sobre um dos
principais atores para construção desse quadro: as substâncias farmacológicas. Frente às dificuldades
impostas pela pandemia de Covid-19, tive a oportunidade de ter acesso a entrevistas concedidas para Pesquisa
Qualitativa para a Avaliação da Percepção e Atitudes de Parceiros Chave Stakeholders na Implementação da
Profilaxia Pré-Exposição ao HIV PrEP no Brasil ImPREP Stakeholders. Financiado pela Fiocruz, um dos
objetivos da pesquisa era compreender a percepção de usuários em PrEP sobre a Profilaxia Pré-exposição ao
HIV (PrEP). Utilizando como base empírica o que nos conta um dos entrevistados sobre sua relação de afeto,
imersa numa conjugalidade sorodiscordante, meu objetivo será abordar o cotidiano de cuidado e manejo do
medicamento na experiência vivida. Tais dinâmicas chamam minha atenção para como opera, na ordinariedade da
vida (Das, 2015), o processo contemporâneo de absorção da aids aos regimes vitais. Diante de narrativas que
distanciam a aids da morte e de seu status de ameaça, adentrando ao nível da vida (Foucault, 1976), parto
do princípio de que a relação entre a aids e a vida ao longo do tempo foi modificada, em face da circulação
dos fármacos no corpo social. De princípio ético para construção de respostas institucionais, a manutenção
da vida passou a ser categoria mobilizada para projetos políticos e econômicos, não necessariamente em
diálogo com a solidariedade. Através dos relatos, destaco dois aspectos fundamentais: 1) a forma como as
substâncias produzem e transformam relações amorosas no contexto de prevenção ao HIV; 2) e o modo como
relacionalidades (Carsten, 2011) se apresentam no mundo social da PrEP, colocando em suspensão hierarquias e
aspectos de diferenciação entre parceiros nas relações sorodiscordantes por meio do fármaco. Busco
dimensionar modos pelos quais o aids se penetra à vida ordinária, hoje, e dimensionar desafios que se
colocam diante do futuro em relação à gestão da vida e aos processos de saúde/doença de modo amplo. Nos
rumos do progresso biomédico e científico, tais relatos nos contam sobre como as epidemias morrem nas
narrativas institucionais/oficiais (Parker, 2015), mas permanecem vivas, em vida.