Trabalho para SE - Simpósio Especial
SE 25: Uma 'Antropologia implicada' nos tempos e espaços rurais: homenagem a Carlos Rodrigues Brandão
O antropólogo peregrino pelas estradas de terra no Sul de Minas: devoção, cantoria e a partilha da vida.
Muito foi dito, escrito e divulgado sobre Carlos Rodrigues Brandão desde sua partida (11/07/2023). Ele era um escritor compulsivo, publicou mais de setenta livros, que tratam de temas aos quais se dedicou por décadas: educação (sobretudo a educação popular), pesquisa participante, comunidades rurais e tradicionais, cultura popular.
Foi professor por mais de cinquenta anos, em diversas universidades brasileiras e no exterior. Etnógrafo primoroso, pesquisou em campo a cultura popular ao longo de toda sua vida, nos rincões mais isolados dos sertões mineiros até em aldeias remotas da Galicia (Espanha), onde morou por um tempo. No trabalho de campo exercitava, como maestria inigualável: a escuta atenta, o olhar perspicaz, a troca de saberes e sobretudo a convivência amorosa com o povo do campo: mestres de folias de reis e do congado, agricultores e agricultoras, quilombolas, indígenas e outras tantas gentes…
Conheci o Brandão em 1997, no ano em que se aposentou da Unicamp. Foi ele o responsável por minha conversão à antropologia. Coerente aos preceitos da educação em que apresenta no famoso livrinho de bolso “O que é a Educação” (1981), Brandão nos ensinava a “ler o mundo” a partir de seu próprio exemplo, na lida com as pessoas. Revelava de maneira informal, nas muitas histórias que gostava de contar, conhecimentos de obras clássicas, de preferência durante as caminhadas pelas estradinhas de terra no Sul de Minas. Como sua orientanda de doutorado na Unicamp, o Brandão me conduziu com leveza e grande sensibilidade na realização de uma pesquisa etnográfica sobre o “Fandango Caiçara”, concluída em 2013.
O acompanhei algumas vezes ao participar das folias de reis mais contemporâneas. Nos últimos anos, os foliões realizavam os circuitos de carro em bairros periféricos de Poços de Caldas e em Caldas. Era com profunda devoção que observava as cantorias e os rituais, ainda que fossem mais breves e menos complexos daqueles analisados em Sacerdotes de Viola (1981).
Uma das coisas que o Brandão mais gostava de fazer era caminhar ao lado de pessoas amigas ao redor do sítio dele, em Caldas (MG), para apreciar as matas, as cachoeiras, as montanhas e, em especial, as estrelas e os passarinhos. É desse lugar, de perto e de braços dados com o Brandão, que pretendo narrar como me tornei pesquisadora e professora de antropologia.
Muito ainda será dito e lembrado a respeito desse grande educador e antropólogo, mas para nós, que tivemos a boa sorte de estar por um longo tempo ao seu lado, no sítio “Rosa dos Ventos”, o que fica é a certeza de que ele foi uma das pessoas mais generosas desse mundo. Sua maior alegria era a partilha da vida. Generoso, afetuoso e agregador, é assim que sempre nos lembraremos dele, o nosso querido Brandão.