Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 081: Os limiares do corpo: a circulação de substâncias corporais e a produção de pessoas e relações
Meu peito, minhas regras? Gênero, feminismos e maternidades a partir da amamentação e do desmame
Dentre as diversas substâncias corporais, há uma revestida de especial valor: o leite materno. Trata-se
de um fluido produzido em um corpo como alimento para outro corpo, sendo capaz de construir identidades,
estabelecer rela¬ções entre indivíduos (Soler, 2017), e de construir e/ou reforçar certos modelos de gênero,
família e maternidade (Nucci; Fazzioni, 2021). Além disso, carrega consigo diferentes metáforas, como a
ideia de amor em gotinhas, ou de ser uma poderosa vacina capaz de proteger os bebês das mais diversas
doenças (Nucci; Alzuguir, 2023). Nosso trabalho faz parte de um projeto de pós-doutorado que procurou
analisar concepções em torno de gênero e maternidade, a partir da atuação de consultoras de amamentação,
profissionais que orientam pessoas com dificuldades para amamentar. Sendo uma categoria profissional recente
e ainda não regulada no Brasil, a consultoria em amamentação tem, em sua origem, solo em comum com o
ativismo ao parto humanizado, ativismo em prol da valorização do aleitamento, e da valorização de modelos de
criação de filhos que promovem uma proximidade corporal maior entre a mãe e o bebê (Nucci; Russo, 2021).
Nosso material é composto por entrevistas com consultoras, observação de uma edição de curso de capacitação
para consultoria, e diferentes livros e postagens em redes sociais. Nosso foco específico neste trabalho é
um tema considerado especialmente polêmico: o desmame, processo através do qual a amamentação chega ao fim.
É possível notar, entre as consultoras e ativistas da amamentação, duas posições contrastantes sobre o tema,
que divergem sobre o tempo e modo ideal de desmame, e se ele deve ou não fazer parte do escopo de trabalho
da consultoria. De um lado, há um grupo que acredita que a mulher pode decidir quando interromper a
amamentação, e que uma profissional através de diferentes técnicas poderá auxiliá-la para que este
processo seja o mais tranquilo e respeitoso possível para a criança. De outro lado, há um grupo que acredita
que o desmame precisa acontecer naturalmente, sendo guiado pela própria criança, no tempo dela, sem a
interferência da mãe ou de uma consultora. Assim, a partir desta controvérsia, procuraremos analisar como se
expressam diferentes moralidades e perspectivas sobre maternidades, feminismos e autonomia (da mãe e/ou do
bebê), e sobre a relação entre natureza e cultura.