Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 076: Antropologia nos Museus: coleções etnográficas, detentores e artistas
Alguns sentidos possíveis de uma coleção entre os Rikbaktsa: uma reflexão comparativa sobre os atos de
colecionar entre indígenas e estrangeiros
No artigo Mismatches: Museums, Anthropology and Amazonia (2021), a antropóloga Anne-Christine Taylor
chama atenção para o descompasso entre a concepção ocidental de coleção e as concepções indígenas sobre os
atos de colecionar. Segundo Taylor, há uma incompatibilidade entre o modo como os museus ordenam os objetos
e as ideias indígenas sobre o que constitui um conjunto e sua variação interna. De que forma o que essas
populações entendem por agrupar, compilar, enfim, colecionar poderia perturbar a nossa definição dessa
prática e oferecer novos caminhos para os museus com acervos etnográficos? Partindo desse problema, esta
comunicação pretende explorar etnograficamente como os Rikbaktsa, um povo de língua Macro-Jê da Amazônia,
pensam as suas coleções na aldeia e as comparam com alguns itens colecionados pelos brancos.
Os artesãos rikbaktsa têm um interesse particular em colecionar penas de aves, dedicando, cotidiana e
ritualmente, uma atenção minuciosa à variação cromática delas e a maneira mais eficaz de conservá-las.
Apesar das comparações cotidianas, é no contexto onírico que podemos perceber com maior clareza de que modo
essa população confronta suas coleções na aldeia com alguns artigos colecionados pelos brancos. Os Rikbaktsa
possuem uma teoria interpretativa dos sonhos em que cada objeto onírico é interpretado como duplo de um
animal específico. Sonhar com a pena da asa de uma harpia, por exemplo, é presságio de encontro com o
espectro de um morto dentro do corpo de uma cobra surucucu. A relação entre o item sonhado e o provável
executor da agressão é sempre baseada na semelhança entre a morfologia do primeiro e um aspecto físico do
segundo. O interessante é que dentro do esquema interpretativo dos sonhos no qual penas e outros itens
figuram enquanto algoz, fora incorporado também alguns objetos vindos dos brancos, tais como agulha,
dinheiro e anzol; interpretados igualmente enquanto duplos oníricos de animais perigosos. Esses artigos
estrangeiros são obtidos em quantidade e as pessoas os guardam, assim como fazem com as penas.
Diante desse cenário, pergunto-me: o que permite que os Rikbaktsa estabeleçam uma correspondência onírica
entre os itens quantificáveis dos brancos e suas coleções de penas? Por que são exclusivamente artigos que
não existem se não vinculados a ideia de conjunto aqueles que possuem agência nos sonhos? Mais além: como o
sentido que os Rikbaktsa atribuem ao ato de colecionar pode alargar e problematizar nossa própria concepção
desse ato? Por fim, procurarei explorar de que modo tal sensibilidade aos atos de colecionar inflete no
desenvolvimento da autonomia patrimonial e cultural dessa população, em como eles observam positiva, mas
criticamente seus objetos em coleções de museus brasileiros e estrangeiros.
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