Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 044: Dialéticas da plantations e da contraplantation: expropriação, recusa e fuga
Antropologia do Revide: ética e recusa na formação do corpo esportivizado
A presente comunicação parte de minha etnografia realizada entre 2021 e 2023 na Bahia, mais especificamente na capital Salvador e em cidades do Recôncavo baiano, quando visitei as principais escolas de formação de atletas no boxe olímpico. Por diversos motivos, a Bahia alcançou a hegemonia do boxe competitivo nos últimos anos. Um dos componentes que informam a eficácia do boxe baiano está na performance da um ética do revide, presente em diversos saberes e fazeres das populações racializadas. Desenvolvo o que denominei como Antropologia do Revide como principal contribuição do Grupo de Trabalho.
Narrativas de marginalização, repressão e perseguição policial aos praticantes e espaços onde o boxe é ensinado, assim como aconteceu no passado com outras manifestações culturais afrodescendentes, foram constantes durante todo o século XX. O fato elementar e primordial a se considerar é que, no Brasil, historicamente, o boxe é um esporte praticado por gente pobre e preta, vide a composição da atual seleção olímpica, formada quase que integralmente por pessoas não brancas. As escolas e projetos sociais que iniciam e formam atletas competidores estão majoritariamente localizadas em favelas, quebradas e bairros populares. É um saber desenvolvido nas periferias dos grandes centros urbanos, com protagonismo dos moradores, treinadores e atletas desses espaços.
A partir da composição de raça e classe de meus interlocutores, passei a priorizar a dimensão racial enquanto categoria analítica. Ou seja, reconhecer a dimensão central da antinegritude na manutenção das relações sociais e na produção dos espaços, instituições, territórios e formas de circulação. É a partir dessa consideração que podemos pensar uma ética do revide como padrão relacional atuante no Brasil desde sua formação colonial. Partindo da implicância que significa viver em uma nação cujo projeto histórico e ideal de brasilidade o povo brasileiro é pautado pelo extermínio de jovens racializados, é preciso levar a sério quando treinadores dizem que o boxe é um projeto de emancipação do povo negro.
Uma ética do revide seria toda e qualquer forma de reação, oposição ou insurgência contra os princípios da necropolítica. São saberes extensivamente praticados por pessoas, coletivos e populações que sofrem a violência. Ou seja, são formas criativamente inventadas no sentido de se criar condições para se viver uma vida digna. Sendo a violência antinegra uma dimensão constitutiva das relações sociais e da reprodução da ordem urbana; considerando o antagonismo estrutural que existe entre sociedade civil e negritude, são as práticas de revide que permitem nos aproximarmos de um entendimento real sobre assimetrias, desigualdades e performances de poder.