ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 080: Ontologia e Linguagem: línguas indígenas, artes verbais e retomadas linguísticas
Possíveis implicações da concepção tukano de língua para a análise gramatical
A Linguística se desenvolveu a partir dos preceitos de epistemologia da Modernidade, contribuindo para reforçar o viés colonial imposto à análise de línguas não-indoeuropeias. Recentemente, a partir de sua busca por um melhor entendimento de fenômenos característicos de línguas minorizadas, ela tem buscado rever muitos de seus fundamentos, inclusive aqueles relacionados à própria definição de língua (ver Joseph 1997; Ameka 1992). Neste trabalho, propomos que tal movimento em direção à descolonização da disciplina deve levar em conta trabalhos recentes realizados no âmbito da Antropologia, que defendem uma não equilavência ontológica entre línguas (ver Course 2013; Hauck & Heurich 2018). Nesse sentido, assumimos, que língua é um conceito equívoco (ver Viveiros de Castro 2004), e que, portanto, o que é língua se define através de uma perspectiva ontológica. Tal premissa se dá em consonância com outros trabalhos sobre os povos do Alto Rio Negro, que vêm apontando que a língua, para esses povos, se encontra em um registro ontológico distinto do ocidental (e.g. Chernela 2013, 2018) e que enfatizam a ideia de que o entendimento de língua deve se inserir no registro ontológico de seus falantes (Epps & Ramos 2019). Nessa linha, buscamos avançar no sentido de determinar como a língua pode ser compreendida e analisada em uma perspectiva ontológica tukano, e como essa noção difere da concepção ocidental de língua. Nossa proposta se assenta sobre uma analogia entre o sistema de classificação ictiológico ocidental e o tukano, como mapeada por Barreto (2013). A classificação de peixes proposta por Barreto (2013) não se encerra nos peixes em si, nem na comparação de peixes com os próprios peixes, mas sim na relação que tais peixes estabelecem com seu entorno, com o meio ambiente e com humanos. Nossa ideia é a de que a mesma perspectiva deve valer para a classificação e a consequente operação dos elementos linguísticos. Propomos aqui uma discussão sobre o sentido de alguns morfemas de evidencialidade da língua Tukano, encontrados em dados de fala em interação, sugerindo uma análise que não se atenha nem ao sentido estritamente linguístico de tais morfemas, nem ao sentido do morfema em relação ao seu contexto imediato. Nossa análise procura entender a língua como parte integrante e constituinte de uma perspectiva ontológica eminentemente tukano. Vamos mostrar que a evidencialidade, em Tukano, só pode ser amplamente entendida se o envolvimento dos participantes nas estruturas que emergem na interação for levado em conta (Goodwin 2018). Esse envolvimento mobiliza questões que impõem a algumas noções que embasam a evidencialidade (e.g. visualidade vs. não visualidade) entendimentos diferentes daqueles que operam nas ontologias ocidentais.