Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 040: Culturas populares e os usos da tradição
Musicalidade rural no Brasil da emergência do Selo Vermelho à hegemonia nas plataformas de Streaming
A música de temática rural no Brasil inicia sua jornada enquanto produto fonográfico em 1929, a partir das lendárias gravações do Selo Vermelho da Columbia Records, composto por cinco discos de 78 rotações. Considerada como a primeira produção fonográfica independente no país, os discos foram custeados antecipadamente por Cornélio Pires após sucessivas negativas das gravadoras em concretizar sua ideia de registrar cantadores, violeiros e causos do interior do estado de São Paulo, com a chamada Turma do Cornélio Pires.
Tais gravações alcançaram tamanho sucesso que logo a gravadora Columbia assumiu a produção de novos volumes, chegando a cerca de 50 títulos, bem como a gravador RCA Victor produziu a Turma Caipira Victor, seguindo o modelo criado por Pires e, inclusive, agregando artistas que faziam parte da turma original. Nas décadas seguintes, o formato de canções do interior mescladas com causos e anedotas passa a vigorar também em programas de rádio. Assim, partindo da análise de Raymond Williams (1976) acerca da hegemonia cultural, analiso a ação pioneira de Cornélio Pires enquanto uma formação cultural emergente, cujas repercussões chegam à contemporaneidade.
Tal façanha apresenta uma interessante peculiaridade, visto que se desdobra simultaneamente em: i. uma formação cultural residual, a música caipira contemporânea, cujos artistas identificados com tal estilo buscam selecionar elementos de uma suposta tradição musical rural empreendida por Cornélio Pires e, a partir destes, construir referências de confirmação da autenticidade de suas performances; ii. uma formação cultural hegemônica, a música sertaneja, considerando-se que foi o estilo musical mais reproduzido nas plataformas Youtube e Spotify no ano de 2023, posição que se sustenta desde 2016.
A partir de tais referências, é possível explorar interessantes questões acerca da "tradição" e da "autenticidade" da música rural, tanto no contexto da produção cultural de Cornélio Pires quanto na atualidade, visto que, de lá até os dias atuais encontram-se sucessivas demonstrações acerca da seletividade operante sobre discursos e práticas envolvendo essas categorias.