ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 060: Experimentos de Ontologia: formas de mundialização desiguais e etnografia como atuar criativo.
Cosmopolíticas Quilombolas: corpo, terra e os territórios multiespécie
Esta comunicação é resultado das etnografias realizadas com os coletivos quilombolas em Chapada dos Guimarães e Poconé, no estado de Mato Grosso nos últimos 11 anos. Pretende-se descrever como a cosmologia destes coletivos negros se constitui de composições de zonas ontológicas de coexistências de seres humanos e não humanos, criando posições cosmopolíticas de enfrentamento ao geontopoder que insiste em desvitalizar os territórios quilombolas. Os saberes de mulheres e homens quilombolas sobre o corpo, a terra e os territórios, incluem fluxos de vida nas roças, jardins, rios, serras e bocainas, delineando a paisagem e os modos de habitabilidade entre as multiespécies. Os quilombos são mundos relacionais de resistência às devastações produzidas pela geopolítica e o geontopoder, especialmente do agronegócio que afeta os territórios quilombolas e de povos indígenas no centro oeste brasileiro. Desde que a população africana deixou de ser escravizada e os povos originários sobreviveram ao extermínio do poder colonial, os territórios destes coletivos se tornaram verdadeiros refúgios de humanos e outros seres não humanos. Os quilombos decidiram ficar com o problema (Haraway, 2023), desde que passaram a existir na América Latina, retomando suas terras em modos de existência sempre marcados por tempos de urgências, tentativas de extermínio, recriando-se contra as práticas econômicas e políticas de exclusão e genocídio. Os quilombos existem como cosmopolíticas desestabilizadoras do Estado-nação, e buscam se colocar de modo contra-colonial diante das variações do racismo que atingem seus modos de vida. O que se quer dizer com a designação cosmopolíticas quilombolas”? De um ponto de vista especulativo, seguimos as ideias formuladas por Stengers (2007, 2010, 2015, p. 446) e Debaise e Stengers (2016) para pensar os modos de existência nos quilombos como uma das situações concretas que nos provocam a abandonar teorias generalizantes da modernidade que tentam encapsular e situar as alteridades de humanos e de outros seres tais como divindades, espíritos, visagens, ancestrais sob o crivo do multiculturalismo ou encerrar mundos relacionais em oposições entre real e imaginado, ficção e realidade. Inspirada pela teoria da bolsa ficção de Úrsula K. Le Guin, a etnografia levou a sério as relações entre as plantas, os corpos, as casas, as benzeções e os mutirões como micropolíticas contra-o-Estado (Clastres, 2003) na composição de seus mundos.