ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 023: Antropologia e saúde mental: sofrimento social e (micro)políticas emancipatórias
"Este não é o vocabulário de nossa comunidade": Percepções dos moradores da Favela da Zona Leste em São Paulo em relação a instrumentos psiquiátricos validados para o Brasil.
Antropólogos e psiquiatras colaboram com a Saúde Mental Global (GMH) para aprimorar a adequação cultural das ferramentas de avaliação de saúde mental. Dentro desse campo, o Conceito Comum do Sofrimento (Cultural Concept of Distress) surge como uma ferramenta notável para examinar como fatores culturais moldam a forma como os indivíduos comunicam, expressam e enfrentam o sofrimento, sendo incluído no DSM-5. Este artigo se envolve em uma análise crítica de um estudo conduzido durante a pandemia com residentes na favela de Sapopemba, uma região vulnerável da megalópole de São Paulo, Brasil. Um dos objetivos deste estudo era treinar os residentes para administrar dois instrumentos psiquiátricos validados para o Brasil- PANAS e o SRQ-10- para avaliar a saúde mental das pessoas que vivem na mesma região. Com base nas percepções daqueles treinados para usar esses instrumentos, este artigo explora as complexidades em torno das ferramentas psiquiátricas epidemiológicas e sua adaptação cultural. Durante o estudo, o envolvimento ativo com a comunidade trouxe à tona desafios específicos encontrados ao utilizar esses dois instrumentos. Primordialmente, o vocabulário utilizado nessas escalas não ressoava com as experiências cotidianas das pessoas que viviam nesse território. Os membros da comunidade compartilharam a necessidade de "explicar, interpretar e até mesmo traduzir" a terminologia da escala para seus pares, apesar de estar na sua língua. Além disso, eles destacaram a importância de criar confiança com as pessoas que respondiam às perguntas nas escalas padronizadas de psiquiatria. Minha argumentação segue em três etapas. Primeiramente, explorarei se a tradução cultural pode ser limitada apenas à dimensão léxico-semântica, dadas nossas dificuldades com duas ferramentas que já passaram por validação no Brasil. Em seguida, analisarei os desafios de extrair objetividade no contexto de experiências altamente subjetivas enraizadas em significados sociopolíticos. Por fim, abordarei a importância da dinâmica da relação entrevistador-entrevistado durante a coleta de dados. Partindo da ideia de que a antropologia desempenha o trabalho distintivo de tradução cultural e, segundo Viveiros de Castro, "Traduzir é trair o destino da linguagem e não a linguagem de origem", o objetivo deste artigo é reintroduzir a psiquiatria e a antropologia na cena comparativa ao realizar a tradução de outras "culturas". Palavras-chave: Conceito Cultural de Sofrimento; Tradução Cultural; Favelas Brasileiras.