ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Mesas Redondas (MR)
MR 21: Desafios e (re)existências das parteiras tradicionais no Brasil: diálogos teóricos e práticos
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Coordenação:
Elaine Müller (UFPE)
Debatedor(a):
Julio Cesar Schweickardt (servidor)
Participantes:
Maria das Dores Silva Nascimento (PSI Brejo dos Padres)
Camila Pimentel (Fiocruz)
Maria das Dores Marinho Gomes (Instituto Mamirauá)

Resumo:
A presente proposta buscar apresentar os desafios e perspectivas da atuação das parteiras tradicionais e das leituras que têm sido sugeridas para as suas epistemologias e práticas. Segundo o DATASUS, em 2021, torno de 98% dos nascimentos aconteceram em espaço hospitalar. No CNES, o Amazonas é o estado que mais tem parteiras cadastradas e Pernambuco o quarto estado com maior número de cadastros nos estabelecimentos de saúde. Esse é um dado que aponta para a forte institucionalização do parto, indicando que a assistência acontece, majoritariamente, por profissionais de saúde com habilitação formal. Se, por um lado, essa realidade aponta a expansão do SUS, por outro, também se configura como um indicativo da dificuldade de mensurar a atuação das parteiras tradicionais, que continuam invisíveis nos sistemas de informação, mas presentes e atuantes nas suas comunidades. A partir de várias oficinas de trocas de saberes com as Parteiras Tradicionais do Amazonas e de Pernambuco, percebeu-se que elas continuam (re)existindo, desejantes de reconhecimento e atuantes politicamente, denunciando a falta de mecanismos que possibilitem a visibilidade de suas atividades e maior diálogo com o sistema público de saúde. Pesquisadoras (es) e parteiras, a partir da co-construção de conhecimento, discutem suas experiências comunitárias e de pesquisa, as relações com o poder público e os projetos participativos em busca de reconhecimento e valorização da arte (do ofício) de partejar.

Trabalho para Mesa Redonda
As parteiras do Amazonas e suas intersecções com o campo da saúde: um relato de experiência sobre as resistências e existências complexas
Camila Pimentel (Fiocruz)
Resumo: O presente texto é um relato de experiência tecido ao longo de três anos e vários encontros entre a equipe de pesquisa e as parteiras atuantes no projeto, que tem como objetivo fazer ver as diversas formas de associativismo e práticas (re)existentes das parteiras, que continuam ofertando atenção e assistência para as mulheres, não só durante o ciclo gravídico-puerperal, mas ao longo do curso da vida. Iniciado durante a pandemia, o projeto se viu desafiado a repensar as atividades metodológicas, que se baseavam nas abordagens participativas. Assim, o ano de 2021 foi de encontros online, de muita escuta sobre as estratégias de cuidado possíveis em meio aos meses de lockdown: barricadas em comunidades mais afastadas – para diminuir a circulação de pessoas; remédios caseiros – para enfrentar a sintomatologia quando “a pandemia nos pegava”; e o reconhecimento de que o lugar mais seguro para nascer, naqueles meses, eram as casas das parturientes. Em 2021, quando toda a equipe (incluindo as parteiras) estava com duas doses de vacina, deu-se início as oficinas presenciais com as “poderosas defensoras do cuidado humanizado e dos direitos humanos” (notas de campo, 2021). As oficinas de troca de saberes tinham como objetivos principais: 1) promover a interlocução entre a atenção básica dos municípios e o trabalho desenvolvido pelas parteiras; 2) elaboração de cartas de demandas das parteiras para encaminhar para o poder público. Nesse processo de escuta, foi comum perceber surpresa, entre as equipes de saúde, ao saberem da quantidade de parteiras atuantes, porém ainda invisíveis para o poder público. Da importância do cuidado contínuo, atento e territorializado que elas realizam e que foi fundamental durante a pandemia. De vê-las em posição de ensinar (ao relatarem suas práticas) a importância da escuta empática, da atenção carinhosa e do preparo da comida como elemento de intimidade no processo de construção de vínculo com as mulheres que atendem. Corriqueiro também são os relatos de enfrentamento das condições precárias com que realizam seus trabalhos, muitas vezes sem material mínimo e, quase sempre, sem remuneração. Essa invisibilidade e a consequente falta de retorno financeiro do ofício da parteira foi uma constante nas cartas de demandas, elaboradas pelas parteiras participantes das oficinas. Em todas aparece a urgente necessidade de reconhecimento desse trabalho que, dentre tantos outros exercidos (majoritariamente) por mulheres, o trabalho reprodutivo se mantém como atividade invisível, não remunerada e subalternizada. Em alguns cenários, até mesmo enfrentando perseguição e preconceito, contudo, continuam insurgentes e resistentes reforçando a fala da atual presidenta da associação “Não é só sobre parteiras. É sobre pessoas que lutam por pessoas”.

Trabalho para Mesa Redonda
Parteiras tradicionais do Brasil e a construção compartilhada de uma narrativa patrimonial
Elaine Müller (UFPE)
Resumo: A partir de minha experiência de trabalho com parteiras tradicionais, procurarei refletir sobre a construção de uma narrativa patrimonial acerca do ofício, que sustenta o dossiê entregue ao Iphan para o registro como patrimônio cultural do Brasil. A trajetória do processo de patrimonialização do ofício de parteira tradicional, o qual participo desde o início, remonta o ano de 2008. Desde então, diversos projetos de pesquisa (identificação), projetos de fomento e valorização (salvaguarda) foram realizados, a exemplo da iniciativa Museu da Parteira, tocado por antropólogas, parteiras e ativistas. Estes projetos sempre foram elaborados a partir das sugestões, ideias e anseios das parteiras - filmes, exposições, livros e encontros - com o apoio de uma equipe de não-parteiras que auxilia no planejamento e execução. Este trabalho técnico pressupõe o domínio de certas categorias teóricas e das políticas públicas e a metodologia de elaboração de projetos, atividades que já sinalizam para o acionamento de uma narrativa patrimonial. Gostaria de refletir sobre o caráter participativo desta atuação conjunta de parteiras e antropólogas - esta espécie de curadoria compartilhada - como um processo rico para ambas as partes. Temos utilizado a ideia de simbiose, da parteira pernambucana Dona Prazeres, para refletir sobre o ofício tradicional, pelos contatos estabelecidos por elas em suas comunidades, pelos diversos papeis desempenhados, e pelo acionamento de diferentes saberes. Sugiro que a narrativa patrimonial construída ao longo destes anos de convívio é também marcada por uma simbiose, entre saberes populares e acadêmicos, entre o domínio de diferentes linguagens e expertises, acionados para uma mesma finalidade.