GT 057: Religiões afro-brasileiras: dos quadros sinópticos às matrizes transformacionais
Apresentação Oral em GT
Daniel Francisco de Bem
Relações de gênero e orientação sexual em terreiros afro-religiosos no contexto transnacional
As religiões afro-brasileiras, desde a época colonial, se organizaram em processos assimilacionistas de saberes, técnicas e pessoas incorporados em uma estrutura ritual e mitológica de matriz africana cujo o cerne, a filosofia nativa, é o de um universo cheio de potências que regem domínios específicos do mundo social e natural e com os quais estabelecemos relações de alianças, parentesco, de reciprocidade, de produção de corpos e de produção, circulação e destruição de axés. A cosmopolítica dessas religiões é inclusiva e relacional, sendo o sistema de iniciação afro-religioso aberto para qualquer um que aceite as regras, rotinas e práticas para a formalização e manutenção da aliança espiritual com suas entidades. Ainda no continente africano e, talvez, nos primeiros dias em solo americano, havia uma fronteira étnica que permitia apenas a poucos a formalização de sua aliança com certa divindade, mas no contexto de fragmentação das comunidades étnicas e linguísticas africanas durante a diáspora escravocrata, os africanos transladados e os negros seus descendentes se obrigaram a incorporar pessoas, divindades, objetos e saberes de outros povoss para continuar existindo e resistindo. Por aí podemos imaginar como se introduziu o diálogo com a fitoterapia e entidades indígenas, a incorporação dos primeiros africanos de outras etnias (em cultos que não eram só bantos ou só iorubás), a entrada dos primeiros mestiços, das primeiras pessoas brancas. Dessa perspectiva trans-étnica é que se permitiu que as religiões afro-brasileiras adquirissem contornos universalistas e pudessem se difundir para além dos seguimentos negros no Brasil e inclusive para além das fronteiras nacionais, chegando a partir da década de 1930 também na Argentina e no Uruguai. Quase um século depois temos a presença das religiões de matriz afro-brasileira em diversos países da América e da Europa com membros de diversas etnias, classes sociais, gêneros e orientações sexuais.
Este texto debruçasse sobre a experiência afro-religiosa transnacional com foco nas relações entre entidades e adeptos e entre os adeptos entre si no que tange as identidades de gênero, as orientações sexuais e as suas relações com os valores morais religiosos, nacionais e de classe. A pesquisa etnográfica que subsidia essa reflexão foi realizada em terreiros de batuque, umbanda e quimbanda em Porto Alegre, Buenos Aires, Montevidéu e cidades fronteiriças entre esses países entre 2005 e 2010, nos quais pude acompanhar os dramas sociais relacionados com o gênero e a sexualidade em comunidades religiosas que vivem a contradição entre a norma religiosa, de base inclusiva (e até positivadora) da homossexualidade e a norma da cultura social patriarcal latina, bastante preconceituosa.