GT 057: Religiões afro-brasileiras: dos quadros sinópticos às matrizes transformacionais
Apresentação Oral em GT
Daniela Calvo
Ifá e candomblé: desafios, conflitos, contribuições e ajustes
Contrariamente ao que aconteceu em Cuba, o oráculo de Ifá não teve continuidade no Brasil, podendo encontrar na literatura poucas testemunhas da presença de babalaôs, concentrando-se entre o final do século XIX e o começo do século XX, período caracterizado pela conexão transoceânica entre o Brasil e a África.
A partir da década de 1970, a chegada de nigerianos e cubanos reintroduziu o oráculo de Ifá e despertou interesse sobretudo entre a componente rica e inteletualizada do candomblé, acompanhando os processos de transnacionalização e reafricanização das religiões afro-brasileiras. Isso levou a discussões, disputas de poder e em torno da transmissão do conhecimento sagrado, conflitos entre lideranças religiosas e ajustes no ritual e nas hierarquias dos terreiros.
Analiso como este processo se instaurou e evoluiu a partir de um caso etnográfico: o
Aşe Idasile Ode do babalorixá e babalaô Marcelo Monteiro, de nação ketu, situado em Olaria, na cidade de Rio de Janeiro, que continuo frequentando desde 2011 de forma intensa, participando de festas, rituais, cursos e reuniões políticas.
Este caso é significativo por várias razões: Pai Marcelo conhece e frequenta vários terreiros de candomblé no Rio de Janeiro e no território nacional, fundou a ong CETRAB (Centro de Tradições Afro-Brasileiras) e o PPLE (Partido pela Liberdade de Expressão); então o terreiro tornou-se sede de conferências políticas e cursos sobre diferentes temas sagrados, de projetos de saúde, combate à intolerância religiosa, ao racismo e à fome.
A partir do caso estudado, analiso os elementos e as mudanças no ritual, na cosmologia e nas relações ligadas à tradição africanista e ao culto de Ifá (como os assentos de Iyá Mí Osorongá, Aje Salunga e Orumilá), as discussões sobre a transmissão e difusão de conhecimento sagrado, os tencionamentos causados pelo culto de Ifá e as problemáticas de gênero que leva à tona.
A análise do Aşe Idasile Ode mostra uma possibilidade de ajuste e renovação do candomblé através do culto de Ifá e do diálogo com a Nigéria e os países da diáspora africana. Mostra assim como as religiões afro-brasileiras têm uma grande capacidade de sobrevivência e continuam se transformando e mantendo uma grande diversidade no seu interior.
Estas mudanças podem ser interpretadas como (utilizando as palavras de Goldman) “realização empírica de uma das virtualidades contidas no candomblé - que corresponde ao seu aspecto ritualístico já predominante”. Segundo Bastide, na maior parte dos casos, as transformações não são arbitrárias, mas consistem na “atualização de alternativas já presentes nas religiões africanas”. Práticas, conhecimentos e objetos são transposições de histórias pessoais e coletivas.