GT 057: Religiões afro-brasileiras: dos quadros sinópticos às matrizes transformacionais
Apresentação Oral em GT
Diogo Bonadiman Goltara
As composições de irmandades e doutrinas espíritas no Vale do Itapemirim
A Região do Vale do Itapemirim, no sul do Espírito Santo, é povoada por inúmeras comunidades remanescentes de quilombos conectadas entre si por meio de uma força invisível que atua em diferentes escalas, seja interpessoal, intercomunitária, entre pessoas e espíritos e entre comunidades e santos padroeiros: a “corrente espiritual”. Em tais comunidades, as irmandades de santo zelam pelas instáveis e inevitáveis relações entre vivos e espíritos, sobretudo caboclos e pretos velhos, que, por meio da corrente, circulam por toda a região, mas concentram-se nas casas de oração, espaços em que o fluxo espiritual pode ser contido em ressonância com uma orientação doutrinária particular. Implicadas em um meandro de reciprocidades, as irmandades elaboram parcerias visando realizar oferendas aos santos padroeiros de cada comunidade, tendo como princípio norteador o acúmulo de irmandades visitantes para as ofertas aos padroeiros. Entre todos os tipos de deslocamentos resultantes de tais parcerias, os que guardam maior solenidade são as visitas rituais que visam o deslocamento de uma irmandade de sua casa de oração para aquela que patrocina a oferenda ao santo padroeiro. Tais deslocamentos são denominados jornadas e seus componentes, jornaleiras e jornaleiros. Quando uma irmandade jornala para a oferenda de outra, cria-se o imperativo da retribuição, de modo que a casa ora visitada se vê em débito, que deve ser pago igualmente por uma visita. Assim, uma jornada nunca é um evento que se encerra em si mesmo, mas o desenvolvimento de visitas anteriores e a criação de outras que estão por vir, de modo que uma oferenda se confunde com um encontro de irmandades oriundas de diversos pontos da região, próximos ou distantes. Nesse sentido, as oferendas aos santos ritualizam as alianças entre as irmandades e, dessa forma, atualizam as conexões da corrente espiritual.
A despeito de tais alianças, as irmandades implicadas nesse circuito distribuem-se entre orientações doutrinárias – “ritmos” ou “linhas” – que se opõem em diversos níveis: A “corrente africana”, que é inspirada pela linha umbandista e a “corrente esotérica”, no geral filiadas ao Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento. De todo modo, cada casa de oração compõe um ritmo particular, tributário das biografias de irmãs e irmãos, que ao longo de suas “vidas de santo”, passam por diferentes irmandades e, assim, por diferentes ritmos. A proposta deste work é abordar as conexões disjuntivas entre tais coletivos, partindo das alianças e dos enredos rituais necessários à constituição das parcerias, em especial a troca de bandeiras entre irmandades na ocasião de chegada de uma jornada, para destacar as dinâmicas de diferenciação significativas entre elas.