GT 056: Racismo no Plural nas Américas: Situando Povos Indígenas e Afro-Indígenas
Apresentação Oral em GT
Patrícia de Mendonça Rodrigues, Patrícia de Mendonça Rodrigues
O caso dos Avá-Canoeiro do Araguaia: racismo como naturalização do humano
O work em questão propõe descrever minimamente o caso dos Avá-Canoeiro do Araguaia, cuja história e situação atual permaneceram invisíveis até recentemente, quando foram destacadas no relatório da Comissão Nacional da Verdade.
Conhecidos na literatura histórica como o grupo que mais resistiu ao colonizador no Brasil Central, recusando-se terminantemente a estabelecer o contato pacífico, os Ãwa, como se autodenominam, foram caçados como animais selvagens pelos moradores do médio Araguaia no século 20, quando chegaram à beira da extinção. Após se refugiarem em uma grande fazenda da região, os sobreviventes de décadas de massacres foram capturados por uma violenta Frente de Atração da FUNAI em 1973. Três anos depois, após um período de abusos físicos e emocionais diversos, dos quais têm grande resistência em recordar, foram transferidos sumariamente pelo órgão indigenista para uma aldeia dos Javaé, seus adversários históricos. Os Javaé eram em número muito maior e receberam os Kyrysa, termo pejorativo com o qual denominam os Ãwa, como cativos de guerra, embora a derrota, após séculos de resistência, tenha sido uma imposição autoritária do órgão indigenista. Na aldeia de seus antigos inimigos, onde vivem até hoje, foram abandonados pelo Estado e relegados a uma condição de extrema subalternidade, vivenciando diversos tipos de restrições, violências e marginalização.
Os sobreviventes da tentativa continuada de genocídio, também conhecidos como “Cara Preta” na região, foram vítimas de variadas formas de racismo por parte dos moradores e fazendeiros regionais, do Estado, da imprensa e da academia. O racismo, enquanto desqualificação da sua condição plenamente humana, tomou a forma de um discurso depreciativo naturalizante e animalizante, em que os índios foram insistentemente descritos como bárbaros, selvagens e ferozes nos séculos 18 e 19, ou, mais recentemente, como praticantes de incesto, comedores de morcegos e ratos, instintivos, moradores de grutas e arredios, entre vários outros termos.
O modo como a “atração” dos Avá-Canoeiro do Araguaia foi conduzida remete a uma perfeita caçada de animais selvagens, em que as presas foram capturadas, amarradas, aprisionadas, expostas ao público curioso, como em um zoológico, e finalmente transferidas para outro lugar. Posteriormente, elas foram vigiadas por guardas e submetidas a um processo de domesticação ou “amansamento”. Por fim, os Avá-Canoeiro foram submetidos pelo Estado a experimentos de “reprodução assistida”, em que indigenistas e pesquisadores tentaram reproduzir fisicamente o grupo a partir de critérios biológicos e racistas estranhos à vontade dos próprios Avá-Canoeiro.