GT 056: Racismo no Plural nas Américas: Situando Povos Indígenas e Afro-Indígenas
Apresentação Oral em GT
Bruno Ribeiro Marques
No tempo do Beiradão: o labirinto burocrático, o buraco negro de forças vitais e os Hupd'äh na cidade como o “povo por vir”
O objetivo principal desta apresentação é talhar imagens etnográficas para a descrição da recente experiência dos Hupd'äh na cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM, Brasil). O work de campo foi realizado entre 2012 e 2016, e, buscando elementos para a composição das imagens, lança-se mão de obras literárias (F. Kafka e J.L. Borges), filosóficas (A. Camus e Deleuze & Guattari) e antropológicas. Na medida em que os Hupd'äh fazem da cidade mais um de seus pontos de passagem, revela-se, em traços fortes, as formas de racismo às quais estão sujeitos, entrelaçando-se em outra arquitetura burocrática, distinta da forma imperial que os missionários salesianos articularam na formação de povoados católicos a partir da década de 1970. No fluxo das exigências para o acesso aos benefícios sociais, essa outra burocracia toma ares de rizoma: o labirinto citadino, de forma capilar, estende-se à vida na floresta. Na história da colonização do Alto Rio Negro, os Hupd'äh (família linguística Maku) ocupam posição marcada na tríade amazônica que relaciona “índios selvagens”, “índios civilizados” e “civilizados”: são eles os “habitantes do fundo da floresta”, entre os quais os modos civilizacionais chegaram de forma tardia se comparados às demais etnias (famílias linguísticas Tukano oriental e Arawak). Recentemente essa população tem se deslocado de forma massiva para o núcleo urbano de São Gabriel no tempo das férias escolares, colocando sua presença para os atores políticos de forma inaudita, sendo tratada inclusive como um problema de ordem pública. Tais investidas são motivadas principalmente pela possibilidade de fazer documentos, acessar benefícios sociais e adquirir mercadorias. Na cidade as famílias instalam-se em acampamentos próximos ao porto Queiroz Galvão, em local conhecido como “Beiradão”, onde ficam sujeitas a vulnerabilidades de todo tipo (sanitária, socioeconômica, xamânica...). Para a descrição, propõe-se algumas imagens etnográficas concebidas ortogonalmente aos binômios dependência/resistência e assimilação/isolamento: o labirinto burocrático das andanças pelas instituições locais; os acampamentos do Beiradão como um buraco negro de forças vitais e dispêndios variados; e a questão se os Hupd'äh, nessa experiência, nos fornecem uma imagem possível do “povo por vir” (conceito de Danowski & Viveiros de Castro). A vida dos Hupd'äh na cidade é modulada pelas diferentes formas de racismo que se colocam: racismo institucional e ambiental nos âmbitos federal, estadual e municipal; e as clivagens contemporâneas que vertem da transformação da tradicional tríade mitopolítica que diferencia Hupd'äh / Wòhd'äh (indígenas das demais etnias) / Tëg-hṍd'äh (brancos), traduzida hoje em dia como os mais pobres / pobres / ricos, respectivamente.