GT 037: Indígenas, Quilombolas e outros Povos e Comunidades Tradicionais em Situações Urbanas: identidades, territórios e conflitos.
Apresentação Oral em GT
István Van Deursen Varga, István van Deursen Varga
“Sobre a ‘pureza’ racial ou étnica como critério de indianidade: repercussões contemporâneas no caso dos Gamela”
O Censo Demográfico de 2000 marcou uma inflexão histórica (confirmada pelo de 2010) da tendência de desvalorização das identidades negra e indígena na população brasileira, indicando, em relação ao de 1991, uma diminuição da porcentagem dos que se declararam “pardos” (de 42,6%, para 39,1%), e um aumento dos que se declararam “pretos” (de 5,0% para 6,2%) e “índios” (de 0,2% para 0,4%, num total de 734.131 indivíduos) – extrapolando, no caso dos índios, todas as contagens e estimativas até então produzidas, por instituições e entidades indigenistas, governamentais e não-governamentais.
À época, alguns antropólogos apressaram-se em comentar e contestar estes dados, que acarretaram constrangimentos, tanto às instituições do Estado quanto às organizações não-governamentais (ONGs) executoras de políticas públicas voltadas aos povos indígenas no país.
Confirmando o que afirmamos em 2002 (VARGA 2002), esta discussão vem impactando o campo indigenista no Brasil, colocando em evidência não apenas os contingentes indígenas até então “invisíveis” (os índios ditos “mestiços”, “desaldeados”, “urbanizados”, e as etnias indígenas ditas “reemergentes”, ou “ressurgentes”: todos reconhecendo-se e reivindicando-se, de algum modo, cidadãos brasileiros indígenas, cuja dimensão e evidência, em nossa opinião, só tende a crescer), mas também impondo uma rediscussão sobre a própria categoria “índio” e os critérios de “indianidade”, sobre suas aplicações e, conseqüentemente, sobre as políticas indigenistas do governo e das ONGs.
É o caso dos Gamela , considerados extintos, enquanto povo indígena, pela FUNAI e mesmo por antropólogos como ANDRADE (1990), até muito recentemente
São de visita realizada em março de 1936, aos Gamela de Viana/MA, os seguintes comentários de Curt Nimuendaju Unkel (então funcionário do SPI:
“Algumas trinta a quarenta pessoas... ...preservam a tradição da descendência, na quarta geração, desta ou daquela mulher Gamella... ...o cruzamento ocorreu quase exclusivamente com os Afro-Brasileiros... ...consequentemente, os traços indígenas desses mestiços foram tão completamente mascarados por características negras que dificilmente alguém inferiria ascendência indígena em sua aparência.
Estas pessoas falavam o habitual português da população neo-brasileira rural da região. Sua cultura material não revelou uma única característica distinguindo-os dos vizinhos não-relacionados com os Gamella. Seu caráter e aspecto de sábio nada preservam de sua herança indígena.”
Em 2013, no entanto, os Gamela do Maranhão insurgiram-se na luta pelo reconhecimento de sua identidade, e em 2 de agosto de 2014 realizaram sua Assembléia de Autodeclaração.
- No presente work, retomaremos, portanto, esta discussão e suas repercussões, no caso específico dos Gamela.