GT 037: Indígenas, Quilombolas e outros Povos e Comunidades Tradicionais em Situações Urbanas: identidades, territórios e conflitos.
Apresentação Oral em GT
Amanda Horta Campos
Guerra no horizonte: os parque-xinguanos na cidade de Canarana
Este artigo versa sobre índios que, saídos do Parque Indígena do Xingu (PIX), demoram hoje na cidade de Canarana, MT. O Parque Indígena do Xingu congrega em seu território povos falantes de línguas das quatro principais famílias linguísticas do Brasil – tupi, jê, aruak e karib –, distribuídos por mais de 90 aldeias distintas. No sul do parque, alto Xingu, estão povos que se integram em um sistema pluriétnico e plurilíngue caracterizado por trocas matrimoniais, cerimoniais e econômicas, uma estética ritual e uma terminologia de parentesco bastante homogêneas, e que habitavam a região antes mesmo da chegada dos brancos, no final do século XIX. Mais ao norte estão povos que habitavam as áreas vizinhas ao que corresponde hoje ao território do PIX e que travavam relações belicosas com os alto-xinguanos. No século XX, as áreas habitadas por estes indígenas já estavam bastante debilitadas pelo contato com a sociedade nacional e a fim de assegurar a integridade física e autonomia sociocultural destes povos, os irmãos Villas Bôas os convenceram a aceitarem sua transferência para o PIX. O deslocamento destes povos para o PIX exigiu o estabelecimento forçado da paz entre grupos historicamente inimigos. Mas a paz era antes uma não-relação que uma aliança, e mesmo no território reduzido da terra indígena, os parque-xinguanos trataram de cravar uma distância segura entre suas aldeias.
O acesso dos parque-xinguanos às cidades do entorno, que tomou fôlego nos anos 1990 com a abertura das primeiras estradas de terra que ligavam a beira do rio Culuene (formador do rio Xingu) à sede do município de Canarana, altera significativamente este padrão de relação interétnica. A experiência em Canarana não se caracteriza por nenhum tipo de regionalização urbana e aproxima povos que antes se afastavam voluntariamente, em um panorama relacional completamente novo para estes indígenas. As relações entre os parque-xinguanos no ambiente urbano e as relações destes indígenas com os brancos da cidade, suas coisas e suas lógicas, desafiam a existência e a filosofia parque-xinguanas, dando origem a um momento absolutamente criativo da vida destas pessoas, de suas práticas filosóficas, de sua imaginação. Partindo de uma experiência de dez meses em Canarana, entre os anos de 2014 e 2015, o artigo propõe uma mirada sobre as ansiedades desencadeadas pela aproximação destes povos entre si e ao mundo dos brancos, para refletir sobre os movimentos e expectativas da vida parque-xinguana nas paisagens urbanas da sede do município de Canarana.