ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Mesas Redondas (MR)
MR 74: Vícios, dependências e (des)articulações em torno de regimes terapêuticos e de cuidados
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Coordenação:
Camilo Albuquerque de Braz (UFG)
Debatedor(a):
Taniele Cristina Rui (UNICAMP)
Participantes:
Carolina Branco de Castro Ferreira (UNICAMP)
Frederico Policarpo de Mendonça Filho (UFF)
Jardel Fischer Loeck (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC))

Resumo:
Esta mesa redonda visa reunir trabalhos antropológicos sobre experiências que são classificadas biomedicamente como "vícios", "adicções", "compulsões" ou "dependências", com foco em socialidades, práticas, agenciamentos, controvérsias, conflitos, fluxos e disputas de sentido. Nos interessam etnografias do particular sobre tais temas, centradas em repertórios simbólicos, conhecimentos, saberes e moralidades, pelos quais circulam experiências heterogêneas e desiguais de gênero, de raça e de classe. Queremos reunir problematizações antropológicas tanto de perspectivas científicas e/ou de profissionais de saúde a respeito dos "vícios", baseadas muitas vezes em nosografias e itinerários terapêuticos que reforçam ideais como “força de vontade” e estilo de “vida saudável”, quanto outras categorias classificatórias mobilizadas para conferir sentido a tais experiências, tais como “fissura”, “abstinência”, “fundo do poço”, “doença”, dentre outras. Nos interessam perspectivas que ao mesmo tempo desnaturalizem essas dimensões (incluindo sua biologização, psiquiatrização, patologização ou medicalização) e as relacionem a contextos de práticas, direitos, políticas públicas de cuidado e saberes diversos, incluindo grupos de ajuda mútua, mobilizações diversas, redes de apoio, usos heterogêneos e terapias diversas relacionadas ao uso de distintas substâncias (drogas, medicamentos, plantas etc.), aos relacionamentos amorosos e sexuais, ao tabagismo, dentre outros campos e universos.

Trabalho para Mesa Redonda
Emergência das noções de vicio em sexo e amor, saberes e diálogos
Carolina Branco de Castro Ferreira (UNICAMP)
Resumo: Em minha pesquisa de doutorado tratei da emergência das noções de vicio em sexo e amor, a partir de grupos anônimos de ajuda mútua, convenções médicas e mecanismos de popularização destas categorias no Brasil (Ferreira, 2012). Nessa apresentação trato das teorias nativas do vício em sexo e/ou amor as quais envolvem aspectos físico-morais, horizontes éticos afetivo-sexuais criados a partir de práticas pedagógicas no âmbito amoroso-sexual e expertises médico sociais co-produzidas entre categoria leigas, médicas e ativistas. Ainda, abordo como as itinerações em busca de cuidados sexuais e no campo amoroso envolvem uma “conversa” com a figura do terapeuta no campo de saberes psi, bem como com a de “usuário” de serviços públicos de cuidado e de saúde. Minha análise busca compreender a topografia e diferenças desses processos mencionados acima, a partir das possibilidades e constrangimentos associados às marcas da experiência social.

Trabalho para Mesa Redonda
O surgimento da figura legal do "paciente", através dos habeas corpus para cultivo de maconha no Brasil
Frederico Policarpo de Mendonça Filho (UFF)
Resumo: A partir da década de 2010, se iniciou um processo de mudança na regulamentação sobre os usos da maconha no Brasil. Até então completamente proibida, dois canabinóides da planta passaram a ser permitidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa): o CBD, em 2015, e o THC, em 2016. De imediato, essas mudanças facilitaram a vida dos que têm prescrição médica e fazem tratamento com o extrato da planta. No entanto, a regulamentação ainda não avançou sobre a produção da matéria-prima, isto é, o cultivo da planta continua sendo proibido em solo nacional. Hoje em dia, os pacientes têm as seguintes opções para ter acesso à maconha no Brasil: comprar nas farmácias, importar diretamente de empresas ou adquirir através nas associações canábicas que conseguiram na justiça a permissão para distribuir para seus associados . Essas opções, no entanto, são caras e o custo do tratamento médico com a maconha continua alto. O tratamento depende de uma série de fatores, mas é possível afirmar que o custo mensal gira em torno de 2 a 5 mil reais. Além de ser um valor alto para a realidade brasileira, é preciso ainda considerar que a maioria dos que se tornam pacientes tem que lidar com condições de saúde complexas que compromete seu o orçamento com outros tratamentos e medicamentos. Para lidar com essas dificuldades de acesso, alguns pacientes passaram a elaborar ações judiciais para diminuir o custo e a burocracia, na forma de habeas corpus para o cultivo doméstico com a finalidade da produção artesanal da maconha. A ideia básica é: o próprio paciente cultiva a maconha e produz os extratos que precisa em casa. Com a justificativa de garantir o direito à saúde, os tribunais de justiça em todo o país passaram a reconhecer e avalizar esses pedidos de habeas corpus. Atualmente, há no Brasil mais de dois mil pacientes que cultivam maconha em casa graças ao habeas corpus, de acordo com meus interlocutores advogados. Assim, ao invés de fugir, se esconder ou evitar, as pessoas passaram a buscar o sistema de justiça para demandar o acesso legal à maconha. Com essa postura, é possível identificar uma mudança no ativismo canábico, que girava em torno da defesa do direito do “usuário”, em oposição ao “traficante” e ao "viciado" (e outras categorias de acusação similares). Agora a figura do “paciente”, estava no centro das discussões. Não se tratava mais de reivindicar o direito individual ao uso, ou de denunciar a violência policial implicada na política de drogas repressiva. Com a entrada do "paciente", o debate público sobre a maconha passou a ser também uma questão de saúde. Nesta apresentação discuto o surgimento da figura legal do "paciente", através dos habeas corpus para cultivo de maconha no Brasil.
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