Grupos de Trabalho (GT)
GT 100: Trabalho Sexual em Tempos (Pós)Catastróficos
Coordenação
Thaddeus Gregory Blanchette (PP), Ana Paula Luna Sales (UNICAMP)
Resumo:
Sem dúvida alguma, a última década mudou a face do trabalho sexual no Brasil. Os megaeventos esportivos de 2014 e 2016, o colapso do governo do PT, a volta da crise econômica, as vitórias eleitorais das direitas extremas, e -- finalmente -- a pandemia da COVID-19 fizeram impactos duradouras na organização do sexo comercial em nosso país. Quando esses impactos foram pensados na luz de fatores já existentes como a crescente digitalização do trabalho sexual – os pânicos morais frente ao assim-chamado "tráfico de pessoas"e a "pornografia", o recrudescimento do policiamento dos fluxos migratórios, e a continuada cruzada conta pessoas LGBQ e particularmente T – o trabalho sexual brasileiro parece estar passando por uma fase que poderia ser qualificada como “catastrófica” em termos de seus impactos nas vidas das pessoas engajadas no comércio do sexo. Esse GT apresentará trabalhos etnográficos e antropológicos que buscam desvendar as mudanças e permanências no trabalho sexual frente ao katastrophē – ou virada repentina – dos últimos 10 anos. Daremos prioridade para trabalhos que focalizam no Brasil, mas também podemos incluir trabalhos que tomam como seu objeto outras viradas em outras regiões do globo que dialogam com os acontecimentos em terras brasilis.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Analice Paron de Silva (UNICAMP)
Resumo: Em meados de 2020, o canal Sexy Hot, marca de entretenimento adulto, anunciou um reposicionamento de
mercado. O canal passou a mobilizar categorias tais como "diversidade", "inclusão", "olhar feminino", sendo
essa última amplamente usada nos mais diferentes tipos de discurso. Seja em entrevistas para a imprensa,
novas editorias de conteúdo nas redes sociais, seja na classificação do material audiovisual produzido com o
selo Sexy Hot Produções, o "olhar feminino" passou a fazer parte do vocabulário do canal. Esse trabalho quer
discutir os usos dessa categoria a partir da observação dos diferentes discursos feitos pelo canal. Como o
canal entende e elabora a categoria "olhar feminino" e como ela se relaciona com um conjunto de elementos
evocados pela ideia de bem-estar, vida saudável e positividade sexual (GREGORI, 2016)? Esse trabalho é um
recorte da dissertação de mestrado intitulada "Abrindo a caixa de Pandora: olhares femininos nas produções
audiovisuais do canal Sexy Hot", defendida em março de 2024, e vai se concentrar nas discussões sobre
mercado e sobre os usos das redes sociais, mais precisamente Instagram, Twitter e LinkedIn. Esses espaços
foram fundamentais para o processo de reposicionamento de marca e essa comunicação oral vai indicar qual a
relação das redes com os conteúdos audiovisuais produzidos com o selo Sexy Hot Produções.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Carla Beatriz Campos (UNIFESP)
Resumo: O objetivo deste trabalho é discutir a pesquisa de doutorado em andamento, que consiste em investigar a
forma como mulheres se fazem sujeitos sociais a partir de sua experiência no mercado do sexo. Parto do
pressuposto de que a sexualidade e o erotismo são elementos fundamentais para a discussão da prostituição e
do trabalho sexual, e, através da realização de pesquisa etnográfica com mulheres que exercem a prostituição
e a pornografia, proponho refletir sobre o que o trabalho sexual produz e significa em termos de vivência da
sexualidade e experiências de gênero. Considero, para tanto, os dispositivos regulatórios que recaem sobre a
sexualidade bem como os processos de sua subjetivação pelos sujeitos, que envolvem processos de
assujeitamento e agência nas relações sociais (Foucault, 2014; Mahmood, 2019). Tendo como referência a
antropologia de Veena Das (2020), busco compreender como a experiência de trabalhar com a sexualidade e de
mobilizar o corpo a partir de formas de erotização criam experiências de gênero singulares e contribuem para
a formação de uma noção específica de sujeito, em um debate que também se articula às discussões sobre
políticas sexuais e direitos sexuais e reprodutivos.
A pesquisa, em andamento, consiste no acompanhamento de duas interlocutoras que trabalham com programas e
produção de conteúdo erótico. São mulheres inseridas em um cenário específico e atual do mercado do sexo, no
qual a prostituição articula-se à pornografia e à presença nas mídias digitais. Além disso, são mulheres que
trabalham com práticas fetichistas e do universo BDSM. Até o momento foi feito um acompanhamento de suas
rotinas, através de encontros presenciais e de interações nas redes sociais, além da realização de
entrevistas em profundidade. Pretendo, em seguida, acompanhá-las em eventos e cenários próprios do mercado
do sexo, como em gravações de conteúdo erótico e pornográfico, e em festas e feiras eróticas nas quais elas
estiverem presentes. Pretendo também analisar sua presença e o conteúdo produzido nas redes sociais.
Dentro do quadro geral desta pesquisa, proponho nesta apresentação discutir o problema de pesquisa
articulando-o a dados obtidos na pesquisa de campo até o momento, com o intuito de apresentar as questões
que dele começam a emergir. Pretendo discutir especificamente e forma como as interlocutoras da pesquisa
expressam e elaboram suas identidades pessoais e profissionais, e como transitam entre o exercício da
agência no contexto do trabalho sexual e as vulnerabilidades que as atravessam enquanto mulheres e
trabalhadoras sexuais.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Cinthya Bastos Ferreira (UNICAMP), Elias Evangelista Gomes (UFMG)
Resumo: Este trabalho busca compreender as experiências escolares de mulheres que vivenciam a prostituição, a
fim de identificar aspectos estruturais e subjetivos em suas trajetórias, desde um ponto de vista
interseccional. Trata-se de um estudo qualitativo, que teve como base a realização de entrevistas com
mulheres localizadas no Sul de Minas Gerais, no contexto pandêmico. A pertinência deste debate se revela no
processo de descortinamento das problemáticas que perpassam tanto a prostituição, enquanto um dos vetores
que constituem o mercado do sexo em sua pluralidade, quanto a educação, com suas instituições sociais
permeadas por dilemas próprios, mas que se interligam no conjunto da vida das mulheres entrevistadas. Por
isso, entende-se que, entre elas, há um conhecimento crítico acerca dos nexos entre desigualdades sociais e
desigualdades escolares, bem com acerca das ambivalências da agência, que comportam aspectos de controle e
de resistência.
Palavras-chave: prostituição; experiências escolares; mercado do sexo; interseccionalidade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Clara Luisa Oliveira Silva (IFSP)
Resumo: O presente propõe-se a discutir aspectos que permeiam as articulações entre as narrativas de resgate de
prostitutas e a categoria de ajuda que, neste âmbito, reflete uma noção que abrange um emaranhado de
experiências individuais e coletivas, além de diversas sociabilidades que se dão entre os agentes religiosos
e as mulheres que exercem ou exerceram a prostituição na região da Guaicurus, zona boêmia da cidade de Belo
Horizonte.
As relações de ajuda entre os agentes religiosos (principalmente, os que sustentam sua prática religiosa no
que conforma a tradição judaico-cristã) e prostitutas são relações que, em uma perspectiva inicial (mas não
exclusiva), podem ser interpretadas a partir de seus entrelaçamentos a uma concepção abolicionista ou a uma
que defende, no geral, a abolição da prostituição e o consequente resgate das chamadas vítimas desta
atividade, considerada, no âmbito deste modelo de intervenção, como uma violência contra as mulheres.
Assim sendo, a partir de uma etnografia multissituada realizada entre fevereiro de 2017 e dezembro de 2019,
e baseando-me na premissa de compreender as relações de ajuda entre grupos religiosos (um de base católica e
dois de base protestante) e prostitutas para além de uma concepção abolicionista frequentemente atrelada a
estas relações, investiguei a categoria ajuda, categoria nativa em meu campo, e a compreendi como uma
categoria complexa sustentada por diversas noções e, que de modo geral, poderia ser concebida no escopo de
relações e práticas diversas.
Realizo uma análise sobre o(s) modo(s) como os grupos religiosos e mulheres atendidas por estes relacionam
ou não a(s) ajuda(s) dada(s) e recebida(s) com uma concepção de resgate e, assim, compreendo que esta
concepção é (re)produzida no campo, acionada e/ou contestada pelos diferentes sujeitos. Evidencio que muitas
narrativas coladas explicitamente a uma ideia de salvação, resgate, retirada da prostituição passam,
muitas vezes, a serem sustentadas, principalmente, por uma linguagem que mobiliza os direitos e a autonomia
e/ou liberdade das mulheres.
E nesta perspectiva defendo que essa espécie de atualização das narrativas de resgate em torno do componente
organizacional da ajuda se relaciona com a própria necessidade de funcionamento destes grupos religiosos em
um campo político da prostituição influenciado pelo debate internacional a respeito do tráfico de pessoas,
pela debate em torno dos direitos humanos e grupo sociais específicos, e a atuação do movimento organizado
de prostitutas em diferentes instâncias, das governamentais àquelas compreendidas no espaço físico das
zonas, por exemplo.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Dionys Melo dos Santos (UFSCAR)
Resumo: O presente artigo possui como objetivo principal analisar o estágio atual da indústria pornô brasileira.
Mais especificamente, o trabalho em tela pretende analisar os impactos das novas tecnologias digitais, em
especial os celulares inteligentes (smartphones) e as recentes plataformas de compartilhamento de conteúdo,
no ecossistema do pornô nacional. Nos últimos anos, a cadeia produtiva da indústria pornô vem passando por
intensas transformações, principalmente, no que se refere à emergência de produtoras independentes que
vendem seus conteúdos por meio de aplicativos. Novos corpos e desejos, novos consumos. Inclusão e
diversidade são processos fundamentais para o capitalismo contemporâneo, pelo menos no discurso, e no campo
pornográfico não seria diferente. Partindo de uma pesquisa empírica, realizada junto a produtoras e
realizadoras da indústria pornográfica nacional por intermédio de entrevistas e participações em eventos
voltados para o mercado pornô, como as feiras de negócios, workshops e festas, esta pesquisa encontra no
conceito de sexual wellness (bem-estar sexual) um ponto chave no discurso de realizadores da área em um
processo que visa aumentar engajamento e fomentar a desestigmatização do campo. Informado por um referencial
teórico foucaultiano e, principalmente, recuperando o conceito de farmacopornografia trabalhado por Paul B.
Preciado (Testo junkie, 2018), o trabalho a seguir pretende refletir sobre os impactos da tecnologia não
somente na cadeia produtiva pornográfica, mas, também, nos formatos de distribuição de conteúdo, cada vez
mais fragmentados, e de consumo, cada vez mais individualizados.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Josafá Barros Camargo Borges (PPGAS/UFMS), Guilherme Rodrigues Passamani (UFMS)
Resumo: Ao longo das décadas, o trabalho sexual de homens tem ocupado diversos lugares nas Ciências Sociais e em
outras disciplinas. O que antes era observado na relação entre cliente homem/profissional mulher passa a ter
novas configurações, como, por exemplo, as relações comerciais entre homens que fazem sexo com homens (HSH)
independentemente da sexualidade entre ambos. Outra mudança diz respeito às fases que as ciências observaram
na divisão de temas e períodos da produção sobre o trabalho sexual. O presente trabalho faz parte de uma
pesquisa etnográfica maior com homens que fazem trabalho sexual na cidade de Campo Grande, capital do estado
de Mato Grosso do Sul. Para esta comunicação, dois colaboradores da pesquisa que fazem trabalho sexual na
cidade supracitada foram selecionados para tratar do tema cuidado. O cuidado, embora muito visto na área e
temática maiores da Saúde Pública, possui variações em sua percepção e prática no que tange ao sexo que é
comercializado, na relação consigo e com clientes. Os colaboradores da pesquisa, por meio de suas
narrativas, relatam cuidados no plural e que por vezes fogem da esfera da Saúde. Temas como segurança, uso
de camisinha e outros objetos, comunicação, cuidado do corpo entre outros são discutidos. O que pode ser
inferido das informações é uma ligação com algumas variáveis passíveis de articulação como geração,
corporeidade, raça/cor e sexualidade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Julio César Ferreira de Oliveira (USP)
Resumo: A apresentação reflete e analisa processos de controle e resistência enfrentados por mulheres cis,
mulheres trans e travestis que atuam como profissionais do sexo na cidade de São Paulo e enfrentam desafios
que precarizam a venda de prazeres, como as gentrificações e segregações espaciais que tentam empurrá-las
para margens da cidade e a pandemia da COVID-19 e sua catástrofe econômica e sanitária vivida de forma
desigual por trabalhadoras marginalizadas.
Procuro trazer experiências observadas desde o início de minha graduação até o segundo ano de mestrado, de
2017 a 2024, em bairros apropriados como territórios de mercado do sexo por trabalhadoras que agenciam seus
serviços nas ruas, como o Butantã na zona oeste de São Paulo. O City Butantã é um bairro que concentra
empresas multinacionais e famílias de classe média que desejam ocupar univocamente o bairro e empurrar às
margens as prostitutas que fazem de suas ruas pistas e pontos de trabalho. No combate à prostituição, desde
2017, tais agentes obtiveram autorização municipal para fechar ruas com portões fixos e seguranças que
permitem o acesso somente a moradores, cercando o espaço público e destituindo determinados corpos do
direito à cidade.
Junto às grades e ao controle policial do espaço público, encontram-se novos artifícios de vigilância, como
a disseminação de seguranças privados e a instalação de câmeras que filmam calçadas e capturam imagens de
corpos tidos como perversos e imorais. As putas desafiam o estatuto de um bairro de classe média e de
heterossexualidade hegemônica com a venda de prazeres e a transformação do que deveria ser dado em uma
carreira de trabalho. São corpos que, por vezes, são fotografados e expostos em redes sociais como imagens
do que deve ser empurrado para as margens, representações que incentivam um pânico moral de segregação
espacial e desejo por fronteiras que delimitem a cidade.
Durante a pandemia da COVID-19, esse cenário de precarizações foi intensificado por novas lutas de ocupação
do espaço urbano com outros trabalhadores precarizados, como entregadores de aplicativos. Na medida em que,
para as mulheres cis, coexiste um código moral de piedade no qual elas podem ser vistas como pessoas
vulneráveis que não tiveram escolha em serem prostitutas, as travestis e mulheres trans, sobretudo negras,
são vistas como duplamente vis: além de comercializarem sexo, são operadas como criminosas natas que
aumentam a delinquência das ruas. Tanto as mulheres cis como as mulheres trans e travestis que continuaram a
trabalhar nas ruas durante a pandemia foram discriminadas como vetores pandêmicos da doença, em meio a
dificuldades econômicas e ao adoecimento de clientes e familiares.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Nayla Etlen Fonseca de Campos (UFPA)
Resumo: Esta pesquisa, discute como uma trabalhadora sexual paraense constrói sua reputação na rede social
Instagram nos trânsitos entre São Paulo e sua cidade de residência. A conta de Instagram analisada neste
estudo, foi selecionada por ser o perfil de uma das trabalhadoras sexuais mais seguidas do Estado. O
objetivo deste trabalho, foi buscar compreender como essa trabalhadora faz uso do seu Instagram,
particularmente dos stories, para apresentar e negociar o seu trabalho sexual. Através da observação direta
do seu perfil público da rede social Instagram, realizei uma análise de conteúdo dos stories desta
trabalhadora, do período de julho de 2021 até outubro de 2022, produzindo os dados baseando-me apenas no que
estava disponível para seus milhares de seguidores e qualquer pessoa que visitasse o seu perfil. Além disso,
analiso dados obtidos através da participação desta trabalhadora em um episódio de podcast em sua cidade de
residência. Sob uma perspectiva etnográfica, discuto dados produzidos a partir dos registros da sua fala em
diário de campo, bem como de dados registrados com base na captura de imagens do seu conteúdo nos stories e
feed de Instagram. A partir do diálogo com estudos teóricos sobre trabalho sexual, antropologia digital,
plataformas digitais e produção de reputação e prestígio, os resultados desta pesquisa, apontam que para
além de vender o seu trabalho sexual mostrando a inseparabilidade de sexo e dinheiro nas relações afetivas,
essa profissional, ao tornar o seu conteúdo nos stories de Instagram em um produto que será consumido pelos
seus seguidores, ela estrategicamente, atribui legitimidade ao seu trabalho sexual, enquanto constrói
prestígio como trabalhadora digital na cidade em que reside, se tornando rentável dentro da dinâmica
econômica da plataforma Instagram.
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