ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 100: Trabalho Sexual em Tempos (Pós)Catastróficos
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Coordenação
Thaddeus Gregory Blanchette (PP), Ana Paula Luna Sales (UNICAMP)

Resumo:
Sem dúvida alguma, a última década mudou a face do trabalho sexual no Brasil. Os megaeventos esportivos de 2014 e 2016, o colapso do governo do PT, a volta da crise econômica, as vitórias eleitorais das direitas extremas, e -- finalmente -- a pandemia da COVID-19 fizeram impactos duradouras na organização do sexo comercial em nosso país. Quando esses impactos foram pensados na luz de fatores já existentes como a crescente digitalização do trabalho sexual – os pânicos morais frente ao assim-chamado "tráfico de pessoas"e a "pornografia", o recrudescimento do policiamento dos fluxos migratórios, e a continuada cruzada conta pessoas LGBQ e particularmente T – o trabalho sexual brasileiro parece estar passando por uma fase que poderia ser qualificada como “catastrófica” em termos de seus impactos nas vidas das pessoas engajadas no comércio do sexo. Esse GT apresentará trabalhos etnográficos e antropológicos que buscam desvendar as mudanças e permanências no trabalho sexual frente ao katastrophē – ou virada repentina – dos últimos 10 anos. Daremos prioridade para trabalhos que focalizam no Brasil, mas também podemos incluir trabalhos que tomam como seu objeto outras viradas em outras regiões do globo que dialogam com os acontecimentos em terras brasilis.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Os discursos sobre "olhar feminino" e o reposicionamento do canal Sexy Hot: notas sobre mercado, redes sociais e pornografia.
Analice Paron de Silva (UNICAMP)
Resumo: Em meados de 2020, o canal Sexy Hot, marca de entretenimento adulto, anunciou um reposicionamento de mercado. O canal passou a mobilizar categorias tais como "diversidade", "inclusão", "olhar feminino", sendo essa última amplamente usada nos mais diferentes tipos de discurso. Seja em entrevistas para a imprensa, novas editorias de conteúdo nas redes sociais, seja na classificação do material audiovisual produzido com o selo Sexy Hot Produções, o "olhar feminino" passou a fazer parte do vocabulário do canal. Esse trabalho quer discutir os usos dessa categoria a partir da observação dos diferentes discursos feitos pelo canal. Como o canal entende e elabora a categoria "olhar feminino" e como ela se relaciona com um conjunto de elementos evocados pela ideia de bem-estar, vida saudável e positividade sexual (GREGORI, 2016)? Esse trabalho é um recorte da dissertação de mestrado intitulada "Abrindo a caixa de Pandora: olhares femininos nas produções audiovisuais do canal Sexy Hot", defendida em março de 2024, e vai se concentrar nas discussões sobre mercado e sobre os usos das redes sociais, mais precisamente Instagram, Twitter e LinkedIn. Esses espaços foram fundamentais para o processo de reposicionamento de marca e essa comunicação oral vai indicar qual a relação das redes com os conteúdos audiovisuais produzidos com o selo Sexy Hot Produções.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Corpos Desnudados: um estudo sobre mulheres, subjetividade e formas de erotização no mercado do sexo
Carla Beatriz Campos (UNIFESP)
Resumo: O objetivo deste trabalho é discutir a pesquisa de doutorado em andamento, que consiste em investigar a forma como mulheres se fazem sujeitos sociais a partir de sua experiência no mercado do sexo. Parto do pressuposto de que a sexualidade e o erotismo são elementos fundamentais para a discussão da prostituição e do trabalho sexual, e, através da realização de pesquisa etnográfica com mulheres que exercem a prostituição e a pornografia, proponho refletir sobre o que o trabalho sexual produz e significa em termos de vivência da sexualidade e experiências de gênero. Considero, para tanto, os dispositivos regulatórios que recaem sobre a sexualidade bem como os processos de sua subjetivação pelos sujeitos, que envolvem processos de assujeitamento e agência nas relações sociais (Foucault, 2014; Mahmood, 2019). Tendo como referência a antropologia de Veena Das (2020), busco compreender como a experiência de trabalhar com a sexualidade e de mobilizar o corpo a partir de formas de erotização criam experiências de gênero singulares e contribuem para a formação de uma noção específica de sujeito, em um debate que também se articula às discussões sobre políticas sexuais e direitos sexuais e reprodutivos. A pesquisa, em andamento, consiste no acompanhamento de duas interlocutoras que trabalham com programas e produção de conteúdo erótico. São mulheres inseridas em um cenário específico e atual do mercado do sexo, no qual a prostituição articula-se à pornografia e à presença nas mídias digitais. Além disso, são mulheres que trabalham com práticas fetichistas e do universo BDSM. Até o momento foi feito um acompanhamento de suas rotinas, através de encontros presenciais e de interações nas redes sociais, além da realização de entrevistas em profundidade. Pretendo, em seguida, acompanhá-las em eventos e cenários próprios do mercado do sexo, como em gravações de conteúdo erótico e pornográfico, e em festas e feiras eróticas nas quais elas estiverem presentes. Pretendo também analisar sua presença e o conteúdo produzido nas redes sociais. Dentro do quadro geral desta pesquisa, proponho nesta apresentação discutir o problema de pesquisa articulando-o a dados obtidos na pesquisa de campo até o momento, com o intuito de apresentar as questões que dele começam a emergir. Pretendo discutir especificamente e forma como as interlocutoras da pesquisa expressam e elaboram suas identidades pessoais e profissionais, e como transitam entre o exercício da agência no contexto do trabalho sexual e as vulnerabilidades que as atravessam enquanto mulheres e trabalhadoras sexuais.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O lugar das experiências escolares na trajetória de mulheres que vivenciam a prostituição: narrativas interseccionais em perspectiva
Cinthya Bastos Ferreira (UNICAMP), Elias Evangelista Gomes (UFMG)
Resumo: Este trabalho busca compreender as experiências escolares de mulheres que vivenciam a prostituição, a fim de identificar aspectos estruturais e subjetivos em suas trajetórias, desde um ponto de vista interseccional. Trata-se de um estudo qualitativo, que teve como base a realização de entrevistas com mulheres localizadas no Sul de Minas Gerais, no contexto pandêmico. A pertinência deste debate se revela no processo de descortinamento das problemáticas que perpassam tanto a prostituição, enquanto um dos vetores que constituem o mercado do sexo em sua pluralidade, quanto a educação, com suas instituições sociais permeadas por dilemas próprios, mas que se interligam no conjunto da vida das mulheres entrevistadas. Por isso, entende-se que, entre elas, há um conhecimento crítico acerca dos nexos entre desigualdades sociais e desigualdades escolares, bem com acerca das ambivalências da agência, que comportam aspectos de controle e de resistência. Palavras-chave: prostituição; experiências escolares; mercado do sexo; interseccionalidade.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Limites e continuidades das narrativas sobre resgate de prostitutas no Brasil
Clara Luisa Oliveira Silva (IFSP)
Resumo: O presente propõe-se a discutir aspectos que permeiam as articulações entre as narrativas de resgate de prostitutas e a categoria de ajuda que, neste âmbito, reflete uma noção que abrange um emaranhado de experiências individuais e coletivas, além de diversas sociabilidades que se dão entre os agentes religiosos e as mulheres que exercem ou exerceram a prostituição na região da Guaicurus, zona boêmia da cidade de Belo Horizonte. As relações de ajuda entre os agentes religiosos (principalmente, os que sustentam sua prática religiosa no que conforma a tradição judaico-cristã) e prostitutas são relações que, em uma perspectiva inicial (mas não exclusiva), podem ser interpretadas a partir de seus entrelaçamentos a uma concepção abolicionista ou a uma que defende, no geral, a abolição da prostituição e o consequente resgate das chamadas vítimas desta atividade, considerada, no âmbito deste modelo de intervenção, como uma violência contra as mulheres. Assim sendo, a partir de uma etnografia multissituada realizada entre fevereiro de 2017 e dezembro de 2019, e baseando-me na premissa de compreender as relações de ajuda entre grupos religiosos (um de base católica e dois de base protestante) e prostitutas para além de uma concepção abolicionista frequentemente atrelada a estas relações, investiguei a categoria ajuda, categoria nativa em meu campo, e a compreendi como uma categoria complexa sustentada por diversas noções e, que de modo geral, poderia ser concebida no escopo de relações e práticas diversas. Realizo uma análise sobre o(s) modo(s) como os grupos religiosos e mulheres atendidas por estes relacionam ou não a(s) ajuda(s) dada(s) e recebida(s) com uma concepção de resgate e, assim, compreendo que esta concepção é (re)produzida no campo, acionada e/ou contestada pelos diferentes sujeitos. Evidencio que muitas narrativas coladas explicitamente a uma ideia de salvação”, resgate”, retirada da prostituição passam, muitas vezes, a serem sustentadas, principalmente, por uma linguagem que mobiliza os direitos e a autonomia e/ou liberdade das mulheres. E nesta perspectiva defendo que essa espécie de atualização das narrativas de resgate em torno do componente organizacional da ajuda se relaciona com a própria necessidade de funcionamento destes grupos religiosos em um campo político da prostituição influenciado pelo debate internacional a respeito do tráfico de pessoas, pela debate em torno dos direitos humanos e grupo sociais específicos, e a atuação do movimento organizado de prostitutas em diferentes instâncias, das governamentais àquelas compreendidas no espaço físico das zonas”, por exemplo.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Sexualidades móveis: pornografia na era do smartphone
Dionys Melo dos Santos (UFSCAR)
Resumo: O presente artigo possui como objetivo principal analisar o estágio atual da indústria pornô brasileira. Mais especificamente, o trabalho em tela pretende analisar os impactos das novas tecnologias digitais, em especial os celulares inteligentes (smartphones) e as recentes plataformas de compartilhamento de conteúdo, no ecossistema do pornô nacional. Nos últimos anos, a cadeia produtiva da indústria pornô vem passando por intensas transformações, principalmente, no que se refere à emergência de produtoras independentes que vendem seus conteúdos por meio de aplicativos. Novos corpos e desejos, novos consumos. Inclusão e diversidade são processos fundamentais para o capitalismo contemporâneo, pelo menos no discurso, e no campo pornográfico não seria diferente. Partindo de uma pesquisa empírica, realizada junto a produtoras e realizadoras da indústria pornográfica nacional por intermédio de entrevistas e participações em eventos voltados para o mercado pornô, como as feiras de negócios, workshops e festas, esta pesquisa encontra no conceito de sexual wellness (bem-estar sexual) um ponto chave no discurso de realizadores da área em um processo que visa aumentar engajamento e fomentar a desestigmatização do campo. Informado por um referencial teórico foucaultiano e, principalmente, recuperando o conceito de farmacopornografia trabalhado por Paul B. Preciado (Testo junkie, 2018), o trabalho a seguir pretende refletir sobre os impactos da tecnologia não somente na cadeia produtiva pornográfica, mas, também, nos formatos de distribuição de conteúdo, cada vez mais fragmentados, e de consumo, cada vez mais individualizados.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Entre Canivetes e Camisinhas: Formas de Cuidado em Homens que Fazem Trabalho Sexual
Josafá Barros Camargo Borges (PPGAS/UFMS), Guilherme Rodrigues Passamani (UFMS)
Resumo: Ao longo das décadas, o trabalho sexual de homens tem ocupado diversos lugares nas Ciências Sociais e em outras disciplinas. O que antes era observado na relação entre cliente homem/profissional mulher passa a ter novas configurações, como, por exemplo, as relações comerciais entre homens que fazem sexo com homens (HSH) independentemente da sexualidade entre ambos. Outra mudança diz respeito às fases que as ciências observaram na divisão de temas e períodos da produção sobre o trabalho sexual. O presente trabalho faz parte de uma pesquisa etnográfica maior com homens que fazem trabalho sexual na cidade de Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul. Para esta comunicação, dois colaboradores da pesquisa que fazem trabalho sexual na cidade supracitada foram selecionados para tratar do tema cuidado. O cuidado, embora muito visto na área e temática maiores da Saúde Pública, possui variações em sua percepção e prática no que tange ao sexo que é comercializado, na relação consigo e com clientes. Os colaboradores da pesquisa, por meio de suas narrativas, relatam cuidados no plural e que por vezes fogem da esfera da Saúde. Temas como segurança, uso de camisinha e outros objetos, comunicação, cuidado do corpo entre outros são discutidos. O que pode ser inferido das informações é uma ligação com algumas variáveis passíveis de articulação como geração, corporeidade, raça/cor e sexualidade.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Putas nos asfaltos e nas margens: segregações espaciais e pandêmicas na precarização do trabalho sexual na cidade de São Paulo
Julio César Ferreira de Oliveira (USP)
Resumo: A apresentação reflete e analisa processos de controle e resistência enfrentados por mulheres cis, mulheres trans e travestis que atuam como profissionais do sexo na cidade de São Paulo e enfrentam desafios que precarizam a venda de prazeres, como as gentrificações e segregações espaciais que tentam empurrá-las para margens da cidade e a pandemia da COVID-19 e sua catástrofe econômica e sanitária vivida de forma desigual por trabalhadoras marginalizadas. Procuro trazer experiências observadas desde o início de minha graduação até o segundo ano de mestrado, de 2017 a 2024, em bairros apropriados como territórios de mercado do sexo por trabalhadoras que agenciam seus serviços nas ruas, como o Butantã na zona oeste de São Paulo. O City Butantã é um bairro que concentra empresas multinacionais e famílias de classe média que desejam ocupar univocamente o bairro e empurrar às margens as prostitutas que fazem de suas ruas pistas e pontos de trabalho. No combate à prostituição, desde 2017, tais agentes obtiveram autorização municipal para fechar ruas com portões fixos e seguranças que permitem o acesso somente a moradores, cercando o espaço público e destituindo determinados corpos do direito à cidade. Junto às grades e ao controle policial do espaço público, encontram-se novos artifícios de vigilância, como a disseminação de seguranças privados e a instalação de câmeras que filmam calçadas e capturam imagens de corpos tidos como perversos e imorais. As putas desafiam o estatuto de um bairro de classe média e de heterossexualidade hegemônica com a venda de prazeres e a transformação do que deveria ser dado em uma carreira de trabalho. São corpos que, por vezes, são fotografados e expostos em redes sociais como imagens do que deve ser empurrado para as margens, representações que incentivam um pânico moral de segregação espacial e desejo por fronteiras que delimitem a cidade. Durante a pandemia da COVID-19, esse cenário de precarizações foi intensificado por novas lutas de ocupação do espaço urbano com outros trabalhadores precarizados, como entregadores de aplicativos. Na medida em que, para as mulheres cis, coexiste um código moral de piedade no qual elas podem ser vistas como pessoas vulneráveis que não tiveram escolha em serem prostitutas, as travestis e mulheres trans, sobretudo negras, são vistas como duplamente vis: além de comercializarem sexo, são operadas como criminosas natas que aumentam a delinquência das ruas. Tanto as mulheres cis como as mulheres trans e travestis que continuaram a trabalhar nas ruas durante a pandemia foram discriminadas como vetores pandêmicos da doença, em meio a dificuldades econômicas e ao adoecimento de clientes e familiares.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Puta e blogueira: trânsitos de reputação e prestígio entre o trabalho sexual e digital na plataforma Instagram.
Nayla Etlen Fonseca de Campos (UFPA)
Resumo: Esta pesquisa, discute como uma trabalhadora sexual paraense constrói sua reputação na rede social Instagram nos trânsitos entre São Paulo e sua cidade de residência. A conta de Instagram analisada neste estudo, foi selecionada por ser o perfil de uma das trabalhadoras sexuais mais seguidas do Estado. O objetivo deste trabalho, foi buscar compreender como essa trabalhadora faz uso do seu Instagram, particularmente dos stories, para apresentar e negociar o seu trabalho sexual. Através da observação direta do seu perfil público da rede social Instagram, realizei uma análise de conteúdo dos stories desta trabalhadora, do período de julho de 2021 até outubro de 2022, produzindo os dados baseando-me apenas no que estava disponível para seus milhares de seguidores e qualquer pessoa que visitasse o seu perfil. Além disso, analiso dados obtidos através da participação desta trabalhadora em um episódio de podcast em sua cidade de residência. Sob uma perspectiva etnográfica, discuto dados produzidos a partir dos registros da sua fala em diário de campo, bem como de dados registrados com base na captura de imagens do seu conteúdo nos stories e feed de Instagram. A partir do diálogo com estudos teóricos sobre trabalho sexual, antropologia digital, plataformas digitais e produção de reputação e prestígio, os resultados desta pesquisa, apontam que para além de vender o seu trabalho sexual mostrando a inseparabilidade de sexo e dinheiro nas relações afetivas, essa profissional, ao tornar o seu conteúdo nos stories de Instagram em um produto que será consumido pelos seus seguidores”, ela estrategicamente, atribui legitimidade ao seu trabalho sexual, enquanto constrói prestígio como trabalhadora digital na cidade em que reside, se tornando rentável dentro da dinâmica econômica da plataforma Instagram.