GT 048. Novas perspectivas para o estudo das religiões de matriz africana nas Américas
Apresentação Oral em GT
Rodrigo Martins Ramassote
Ruy Coelho e a religiosidade dos Caraíbas Negros (Garífunas) em Honduras
Em setembro de 1944, Ruy Galvão de Andrada Coelho (1920-1990), graduado em Filosofia (1942) e Ciências Sociais (1943) pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP), embarcava para os Estados Unidos, para ingressar como aluno no programa de pós-graduação da Northwestern University (Evanston, Illinois), sob a orientação de Melville J. Herskovits. Em 1948, viajou para a costa norte de Honduras, com o objetivo de investigar o processo de “aculturação” dos Caraíbas Negros (atualmente Garífunas) situados em Trujillo. A partir da análise dos princípios da organização social, da estrutura familiar e dos fundamentos e práticas cosmológicas garífunas, Coelho defende sua tese de doutorado “The Black Carib of Honduras: a study of acculturation” (1955), traduzida para o português, com o título de Os Caraíbas Negros de Honduras (2002).
Alinhada ao projeto intelectual de Herskovits, que se define pelo interesse pela dinâmica da “aculturação” e pelo mapeamento da distribuição e da intensidade da preservação de instituições sociais e práticas culturais africanas, e fazendo uso de parte de seus principais instrumentos conceituais – aculturação, foco cultural, reinterpretação, sincretismo, etc. – “The Black Carib of Honduras” descreve, em particular, as práticas religiosas e os princípios cosmológicos caraíbas (o conceito de alma, os principais ritos, cultos e cerimônias, o papel dos xamãs), retornando ao tema em dois artigos extraídos da pesquisa: “Le concept de l’âme chez les Caraïbes Noirs", no Journal de la Societé des Américanistes, em 1952 e “Personalidade e papeis sociais entre do xamã Caraíba Negros de Honduras”, na Revista de Antropologia da USP, em 1961.
Esta proposta pretende revisitar o estudo de Coelho, aprofundando aspectos de uma pesquisa de pós-doutorado em andamento (iniciada em 2015, no Departamento de Antropologia Social da USP) de modo a refletir sobre os seguintes assuntos: a) qual o papel da esfera religiosa na reflexão de Herskovits e seus alunos a respeito da preservação de instituições e práticas culturais africanas no “Novo Mundo”?; b) como a monografia de Coelho se integra ao conjunto mais amplo de estudos orientados por Herskovits a respeito do tema?; c) quais as particularidades identificadas por Coelho em seu estudo?; d) é possível delinear, a partir desse conjunto, um quadro geral comparativo válido e extensivo ao chamado Atlântico Negro, na expressão Paul Gilroy? Eis, de maneira esquemática, um conjunto de perguntas a partir das quais pretendo avançar em direção ao debate intelectual sobre a difusão e a manutenção da experiência religiosa africana na geografia sem fronteiras precisas do território afro-atlântico.