Redes sociais da ABA:
GT 048. Novas perspectivas para o estudo das religiões de matriz africana nas Américas
Apresentação Oral em GT
Diogo Bonadiman Goltara
Parceria entre pretos velhos e caboclos das matas no sul do Espírito Santo
Partindo de um trecho da biografia do Pai Rei João Congo da Angola, preto velho parceiro do médium Cleiton de Paula, do Centro Menino Jesus (Zumbi, Cachoeiro de Itapemirim), em que se descreve uma história de fuga entre rodas de caxambu, rituais indígenas e fazendas de café, este work irá explorar os desenvolvimentos das relações entre caboclos e pretos velhos tal como se apresentam nas irmandades espíritas das comunidades negras da região. Longe de se caracterizarem como espíritos de identidade genérica, o material etnográfico apresenta essas duas entidades como remanescentes de escravizados familiarizados com determinados lugares e indígenas da etnia puri que habitaram a região. A narrativa de João Congo, ecoando muitas outras de pretos velhos e de filhas e filhos de santo das irmandades das casas de oração, expõe uma relação tradicional em que, de um lado, grandes curadores, rezadores e benzedeiros, os pretos velhos estão mais próximos das casas e das famílias de sangue e de santo (irmandades) – conexão que certamente está ligada ao encarceramento forçado, mas não unicamente – enquanto os Puri, habitantes das matas, conhecedores das plantas, são tanto fornecedores de matéria prima para curas quanto pacientes dos pretos velhos. Ao desenvolver alguns aspectos das relações entre índios e negros na região a partir de tais narrativas, serão também apresentados os tipos de works que caboclos e pretos velhos realizam na contemporaneidade. Se entre os pretos velhos há uma ligação mais próxima com as casas, evidenciado, por exemplo, pelo tratamento de parentesco – vovô, vovó, pai, tio, tia – os caboclos são caracterizados geralmente como entidades em contínuo deslocamento. Serão ainda apresentados alguns desenvolvimentos das características e das relações de tais coletivos/entidades em um dos principais rituais das casas de oração da região, a troca de bandeiras. Além de conectar as irmandades, o ritual também produz a atualização da conexão com os santos padroeiros. Se os caboclos são as entidades que “jornalam” para levar a bandeira de uma casa até o orador de outra, os pretos velhos assumem o lugar de principais representantes dos santos (que não se materializam corporalmente) nas casas de oração. As narrativas míticas e os rituais parecem, por fim, indicar que a parceria entre os coletivos de caboclos puri e de pretos velhos e pretas velhas se desenvolve de e para um tipo de complementaridade muito importante para as conexões atuais entre as irmandades de santo que povoam a região sul do Espírito Santo.