GT 048. Novas perspectivas para o estudo das religiões de matriz africana nas Américas
Apresentação Oral em GT
Bethânia Dias Zanatta
Mesas de Santo e construção de corpos quilombolas no norte do ES
Percorro duas comunidades da região do Espírito Santo conhecida como Sapê do Norte, Angelim I e Linharinho, buscando compreender aspectos cosmológicos da Mesa de Santa Maria (também conhecida como Cabula) e da Mesa de Santa Bárbara através do que é colocado em evidência nas relações cotidianas entre os seres das séries intra- e extra-humana que compõem esses territórios quilombolas. As Mesas de Santo fazem parte de um sistema maior de relações com o corpo, das vivências dos infortúnios e o combate dos mesmos, nos seus rituais eram/são efetuadas curas, magias, bençãos, maldições, vidências, previsões. As Mesas de Santo são genericamente descritas na literatura como Cabula, entretanto, essa classificação refere-se mais diretamente à Mesa de Santa Maria. Nas Mesas de Santa Maria relatadas no Angelim I os encontros eram realizados no meio da mata, no camucito, onde várias pessoas participavam em buscas de remédios para males de todos os tipos. A Mesa era comandada pelo Embanda, o único a receber santo ou guia, e ele era ajudado por uma pessoa de sua confiança, o Cambono. Nessas Mesas não eram realizados sacrifícios de animais e a força dos santos vinha da mata. Na Mesa de Santa Bárbara, ainda existente no Linharinho, os encontros são realizados dentro de uma construção específica para isso, ao som de tambores e com a realização de sacrifícios de animais. Durante o ritual vários participantes podem incorporar os santé, não só quem coordena a Mesa. Também chamado de Embanda, esta pessoa é auxiliada pelo Alabê. O assento de Santa Bárbara é composto dos santos, cada pedra é um santo. O santo principal é Orona Jogun, que é também Iansã e Santa Bárbara. Os santos ou santés estão nas e são as pedras. Durante os rituais da Mesa de Santa Bárbara, entidades de várias linhas podem se fazer presentes, tanto orixás quanto caboclos, exus, carreros e ciganos. O mundo dos outros não é experenciado como descontínuo àquele aonde os humanos vivem e sim como um outro lado desse mundo, um lado “seguramente menos visível, porém indissociável dele e de alguns lugares e momentos privilegiados de intersecção, nos quais virtualmente se pode ver (tanto no sentido perceptivo quanto conceitual) aquilo que na maior do tempo não é visto” (Barbosa Neto, 2012, p. 153). Os cuidados com o corpo também são mobilizados nas atividades cotidianas, a saúde depende de como se cuida do próprio corpo, mas também das interações adequadas entre as pessoas. A cosmo-ontologia das comunidades que percorro, reconhece que a pessoa é múltipla, formada por santos, espíritos, guias, orixás, eguns e moldada por ervas, alimentos, rezas, etc., e, para além disso, reconhece a pessoa em seus elementos materiais e imateriais e o que corpo não é uma forma acabada e está sendo constantemente construído.