Redes sociais da ABA:
GT 040. Fronteiras, saúde, gênero e sexualidade: conexões, deslocamentos e alteridades corporais, espaciais, temporais
Apresentação Oral em GT
Milena Mateuzi Carmo
Tecendo redes: gênero, cuidado e estado na periferia de São Paulo
Este texto apresenta reflexões preliminares de minha pesquisa de doutorado, ora em andamento, que busca compreender como as mulheres moradoras de espaços segregados da periferia da cidade de São Paulo vivenciam a produção destes territórios. Construo minha argumentação a partir da leitura de works que identificam uma atuação cada vez mais violenta e repressiva por parte do Estado nestas periferias, sobretudo através do crescimento de ações violentas por parte da polícia e do aumento do encarceramento cujo alvo principal são homens jovens negros. Neste contexto, procuro entender como este processo de produção de território afeta homens e mulheres de modos distintos e contribui para o surgimento de agenciamentos e resistências também generificadas. A partir do work de campo com algumas famílias que tiveram um ou mais membros assassinados ou presos, venho observando que enquanto os homens são alvos diretos destas violências, as mulheres assumem o protagonismo do cuidado. Cuidado esse que não se restringe ao âmbito doméstico, mas que se reproduz em várias dimensões do público. Isto é, as mulheres seriam responsáveis tanto pelo cuidado no que se refere ao afeto e à administração cotidiana da casa, como também estariam presentes em diversos espaços públicos negociando com setores do Estado, com tráfico de drogas e com ativismos locais, buscando assim, lidar com os efeitos destas violências que atingem diretamente os homens da família. Minha hipótese é a de que essa tarefa do cuidado, por um lado, é experimentado como sobrecarga que geraria o repetido adoecimento, sobretudo emocional, como venho observando em meu campo. Contudo, por outro, é também vivido como sentido de vida, o motivo pelo qual muitas mulheres encontram para continuar vivendo em meio a tanto sofrimento, como muitas delas afirmam. Meu argumento é o de que essas mulheres, no protagonismo do cuidado, tendem a tecer redes compostas predominantemente por outras mulheres, já que são elas a maioria tanto nas políticas sociais locais (assistentes sociais, psicólogas, educadoras, etc), quanto no ativismo que denuncia a violência do Estado na periferia (hoje organizado em torno da chamada luta contra o genocídio da juventude negra e pobre). Neste processo, estariam não apenas produzindo-se a si mesmas, mas também teceriam redes que entrelaçam mundo privado e público, onde família, vizinhança, ativismo e o próprio Estado são acionados como forma de mitigar os efeitos destas violências. Neste sentido, raça, classe e gênero seriam os marcadores sociais da diferença que não apenas produziriam desigualdades, violências e o próprio território, como também constituiriam a gramática a partir da qual se produzem agenciamentos e resistências.