Redes sociais da ABA:
GT 040. Fronteiras, saúde, gênero e sexualidade: conexões, deslocamentos e alteridades corporais, espaciais, temporais
Apresentação Oral em GT
Tiago Duque
Entre a onça pintada e a sucuri, o carnaval e o futebol: nacionalidade, travestilidade e reconhecimento na fronteira Brasil-Bolívia
O objetivo aqui é discutir parte dos resultados de uma pesquisa sobre normas e convenções de gênero e sexualidade na fronteira Brasil-Bolívia, iniciada em 2014. A cidade de Corumbá (MS), tida como a Capital do Pantanal, é conhecida por festividades culturais, cívicas e religiosas. Através de etnografia (online e off-line), envolvendo entrevistas semi-estruturadas, analisei o envolvimento e a participação de efeminadas nessas festividades, desde o planejamento à execução. Efeminadas aparece como um termo êmico destinado a homens gays, travestis ou mulheres transexuais. Pretendo analisar a presença de uma travesti em especial, tanto no “Amistoso da Diversidade” (jogo de futebol entre efeminadas de Corumbá e Ladário, uma cidade vizinha) como no Carnaval de 2015. Esta interlocutora fantasiou-se de onça pintada para ir desfilar na Passarela do Samba e foi fazer um show artístico com uma enorme cobra de pelúcia na partida de futebol. A onça pintada e a sucuri são animais hipervalorizados na região, não somente porque atrai turistas, valorizando a cidade, como também por fazer parte da cultura local. A travesti parece incorporar esses elementos como espécies de próteses de gênero (PRECIADO, 2002) tipicamente nacionais, indo além de um farmacopoder transnacional (PRECIADO, 2018). Juntamente com a performance feminina, materializa um corpo (BUTLHER, 2008) travesti risível, mas não abjeto, merecedor de aplausos, nos dois eventos. O carnaval e o futebol são marcas de nacionalidade. Eles, associados ao reconhecimento das efeminadas na cidade, via a participação das mesmas nessas atividades, no discurso dos interlocutoras/es, apresentam-se como uma diferenciação fronteiriça entre Brasil (sem preconceito) e a Bolívia (preconceituoso). Ainda que os dados apontem para a violência contra efeminados na cidade, a percepção de que Corumbá é uma cidade sem preconceito é bastante marcante na região. Ocorre o oposto quando se referem ao país vizinho. Nesse sentido, a análise aponta para os elementos que contribuem com essa percepção em relação a cidade quando comparada com o outro lado da fronteira. O riso, acompanhado de aplausos, seja no carnaval ou no amistoso, associado a objetos de “desejo dos turistas” e supervalorizados pelas/os moradoras/es, como a onça e a cobra (RIBEIRO, 2015), compõem o quadro de significados que possibilitam a agência da travesti em questão. Entre outras coisas é possível concluir que, mesmo em contextos de violência diante de experiências de gêneros dissidentes e sexualidades disparatadas, a diferença não necessariamente é um elemento depreciador (BRAH, 2006). Ao invés disso, serve para pensar as normas e convenções dos contextos fronteiriços de constituição de uma nacionalidade valorizada diante de um outro depreciado.