Redes sociais da ABA:
GT 011. Antropologia da Moral e da Ética
Apresentação Oral em GT
Everton Rangel Amorim
O mal e os amores difíceis: efeitos da “condenação” por “estupro de vulnerável” em tecidos relacionais densos.
Neste artigo, resultado de uma etnografia que tem como interlocutores homens “condenados” por terem cometido “estupro de vulnerável” e pessoas a eles vinculadas afetivamente, descreverei os efeitos da “sentenças condenatórias” em tecidos relacionais densos, dando especial atenção ao problema do mal, causador de sofrimento, e às formas de engajamento com o outro que perpassam, sobretudo, mas não exclusivamente, a prática do amor. O work, a um só tempo afetivo, burocrático, moral e narrativo, ao qual os meus interlocutores se devotam sugere a necessidade de produção de relações em que os “sentenciados” possam habitar como homens injustiçados, vinculados a pessoas que os amam em atos e junto a eles combatem a substância do mal. A minha aposta mais abrangente é a de que devemos entender esse work como um atividade relacional de cunho ético. Busco, ao fim e ao cabo, descortinar uma série de nexos entre emoções, moralidade, Estado e gênero. Para compreender a injustiça narrada, inspiro-me na proposição de Austin (1962): a linguagem não é meramente referencial, simples constatação discursiva do mundo. Ao contrário, os enunciados operam como atos, pois produzem as relações, que, alegadamente, apenas designam. Embora saiba que a injustiça, assim como toda narrativa, estabiliza-se através de sinuosidades, acentuarei o quadro estabilizado de relações que os homens “sentenciados” e as pessoas afetivamente vinculadas a eles buscavam fomentar com frequência notável porque busco responder as seguintes perguntas: o que é habitar em tecidos relacionais afetados pela acusação, vivida como falsa, porém transformada em verdade jurídica? Quais gestos éticos a estabilização de relações, centrada na maldade inscrita no passado, suscita no presente? Qual a relação entre o Estado e o mal? Como amores fazem, dia após dia, a injustiça? A “sentença condenatória” é um “evento crítico” (Das, 2007) na vida dos meus interlocutores, afinal, ela produz não somente uma quebra temporal (um “antes” e um “depois do processo”), como também pessoas morais distintas. Pablo, Carlos e Altair, dada a dimensão monstruosa do “crime” que empreendedores morais e a Justiça afirmam que eles cometeram, não mais podem ser os homens que eram antes do “processo”. Ao voltar-me à vida afetada pelo mal e cuidada por intermédio de gestos de amor, como os de Roberta e Helena, distancio-me dos estudos que, na antropologia, analisam o discurso de homens “sentenciados” por “estupro” em aproximação aos escritos da psicanálise (Machado, 1999; Segato, 2003). Faço esse movimento na esperança de retirar rendimentos analíticos dos tecidos relacionais que os meus interlocutores estabilizavam em narrativas congeladas sobre o passado, bem como dos tecidos relacionais nos quais eles habitavam durante a pesquisa.