Redes sociais da ABA:
GT 011. Antropologia da Moral e da Ética
Apresentação Oral em GT
Rosana Pinheiro Machado, Lucia Mury Scalco
Da esperança ao ódio: os jovens bolsonaristas da periferia de Porto Alegre
Este work é fruto de uma etnografia longitudinal que vem sendo realizada desde 2009 sobre consumo e política entre jovens do Morro da Cruz, a maior periferia de Porto Alegre. Nós acompanhamos grupos juvenis desde antes da polarização política e pudemos observar as transformações pelas quais eles, suas famílias e seus entornos passaram de acordo com momentos chave da história recente do País, marcados, respectivamente, pela emergência e colapso do crescimento econômico. Essas fases do desenvolvimento nacional afetam não apenas as condições materiais da existência, mas igualmente o self individual, a capacidade de aspirar e as formas de fazer política e de compreender o mundo. Esperança e ódio não são categorias totalizantes na perspectiva adotada aqui. São antes tendências que nos ajudam a pensar como a subjetividade política é moldada em contextos diferenciados. Havia ódio na esperança e parece haver esperança no ódio - e essa sutileza é, na verdade, central no nosso argumento. Na lógica dualista presente nas redes sociais, cada integrante de um pólo pensa dentro um pacote de valores políticos e morais que é oposto ao seu antagônico. Logo, uma análise superficial poderia sugerir que a juventude bolsonarista é, inexoravelmente, protofascista. A realidade do cotidiano é mais complexa que o binarismo em sua forma ideal e aponta a existência de sobreposição entre os pólos. Com efeito, os limites entre a esquerda e a direita, o lulismo e o bolsonarismo e a esperança e o ódio são mais turvos do que se pode imaginar e coabitam ganhando maior ou menor espaço conforme o contexto. Isso nos ajuda a compreender porque não se pode falar em uma “virada conservadora”. De um lado, poderia-se inferir que a adesão bolsonarista tem algumas de suas raízes no próprio modelo de desenvolvimento lulista focado na agência individual e no consumo - e não na mudança estrutural dos bens públicos atrelada a um processo de mobilização coletiva. Esse argumento é legítimo, porém incompleto, já que nosso esforço aqui foi mostrar que mesmo políticas liberais tinham potência política contestatória. De outro lado, também poderia-se inferir que o crescimento do “bolsomito” nas periferias é fruto do golpe de 2016. Este também é um argumento legítimo e incompleto, uma vez que o lulismo foi incapaz de promover transformações estruturais e democráticas que sustentasse na crise. Logo, a agenda de austeridade de Michel Temer mais profunda do que inaugura uma vida de exclusão. Por isso, temos preferido pensar em um continuum histórico em que a violência estrutural - o racismo, a discriminação de classe, o patriarcado e a presença da igreja, do tráfico e da polícia sempre foram os modelos preponderantes, juntamente com práticas cotidianas de resistência, criatividade, amor e reciprocidade.