GT 009. Antropologia da Criança: conjugando direitos e protagonismo social
Apresentação Oral em GT
Luiza Ferreira Lima
“Aprendendo a escutar”: Infância, gênero e subjetividade em duas biografias norte-americanas de crianças transgênero
O presente work se propõe a iniciar uma investigação sobre elementos organizadores da composição literária que visam dar inteligibilidade e legitimidade ao processo de formação e reivindicação de identidade de gênero de crianças transgênero em biografias publicadas nos Estados Unidos. Parte de minha pesquisa mais ampla de doutorado, que se debruça, em uma perspectiva comparada, sobre processos de subjetivação inscritos em e produzidos por biografias e autobiografias elaboradas por ou sobre pessoas transexuais e publicadas no Brasil e nos Estados Unidos, neste paper me concentro em 2 obras: “Raising My Rainbow: Adventures in raising a fabulous, gender creative son”, de Lori Duron (2013); e “Raising Ryland: Our story of parenting a transgender child with no strings attached”, de Hillary Whittington e Kristine Gasbarre (2015).
Escritos por mães e publicados nos últimos anos, tais livros surgem em um momento de intensificação do debate público sobre a articulação entre infância e transgeneridade nos Estados Unidos, e de acirramento de conflitos jurídicos levados a cabo em reivindicação de direitos referentes à identidade de gênero de crianças transgênero, em especial no contexto escolar – como envolvendo uso de nome social e pronomes escolhidos pelas crianças em documentos institucionais, acesso a banheiros, prática de educação física e enfrentamento de segregação e bullying. Subjacentes a essas dissidências estão sentidos não só de permanência ou transitoriedade de gênero, seu aspecto natural ou socialmente construído, bem como modelos de feminilidade e masculinidade, mas também sentidos de infância – constituídos por pressupostos de (in)capacidade de entendimento do mundo social, (in)comunicabilidade, (ausência de)autoconsciência. De que modo as duas publicações citadas reagem a esse contexto social tenso e a esses sentidos?
Considerando a articulação entre condições histórico-sociais que estruturam a existência da produção literária, este work é norteado pelas seguintes questões: quais representações de pessoa, infância e transgeneridade são reproduzidas e quais são questionadas nestas duas obras? Quais regimes de discursividade são acionados e quais são afastados? O que essas crianças estão comunicando sobre si, sobre quem são e como vivenciam o gênero e o corpo, quem as está levando a sério e quais são as estratégias narrativas mobilizadas pelas autoras para fazer com que o dito seja não só compreendido mas também a ele se atribua aceitabilidade? De que modo a relação entre mãe e filho marca os motivos e os caminhos da escrita e quais os efeitos desejados que esses textos assinalam em termos de constituição da subjetividade política destas crianças?