Redes sociais da ABA:
GT 002. A contribuição da perspectiva antropológica sobre o uso de substâncias psicoativas para o debate atual em torno das
Apresentação Oral em GT
Camila de Pieri Benedito
"Olhe bem para sua casa": Santo Daime, gênero e sexualidade
Proponho nesta comunicação apresentar reflexões de minha pesquisa de doutoramento intitulada “Gênero e religião no Santo Daime”, baseada na imersão etnográfica em uma comunidade daimista do sul de Minas Gerais. Fundado em 1930, o Santo Daime é a mais antiga das religiões ayahuasqueiras e desde o final do século XX, tem crescido em popularidade e em número de adeptos com a fundação de comunidades religiosas por todo o mundo. Estes adeptos da expansão são indivíduos majoritariamente brancos, oriundos da classe média escolarizada de centros urbanos e os novos núcleos caracterizam-se por uma crescente heterogeneidade ritual e pela absorção da religiosidade nova era, características recorrentes entre os chamados novos movimentos religiosos. Na comunidade estudada, o movimento de sacralização da natureza é o aspecto da religiosidade nova era que mais se destaca, estando relacionado com a concepção nativa do Santo Daime como o fundador de uma era mariana. Neste movimento, Maria e a natureza integram em si os discursos sobre a essência do feminino. As plantas utilizadas para o feitio da bebida ritual do culto - o daime - também são genderificadas, sendo a folha chacrona relacionada ao feminino e o cipó jagube ao masculino. Neste contexto, o feminismo histórico, aquele especialmente voltado aos direitos reprodutivos e à busca por igualdade de direitos, é majoritariamente rejeitado pelo grupo, sendo interpretado como agressivo. Através da leitura dos dados de campo pela perspectiva teórico metodológica da intersecção religião, gênero e sexualidade, é possível observar como o movimento se entrelaça com o sagrado feminino e com a teologia feminista católica, compartilhando características cosmológicas, demográficas e históricas. Observa-se como as experiências de gênero e de sexualidade acabam limitadas, com a supervalorização da maternidade, da paternidade e da família nuclear heterossexual, especialmente destacadas pelas ideias nativas de ‘cura do feminino’ e de ‘cura do masculino’. Esta apresentação ainda inclui como a experiência extática individual, que tem como protagonista um sacramento enteógeno, abre espaços de resistência por parte daqueles que não aderem a estes discursos normativos, possibilitando a construção de narrativas particulares sobre gênero e sexualidade – como já tratado por Cavnar (2014) -, à parte do discurso hegemônico, prolongando a permanência destas pessoas no culto. Por fim, e para destacar a importância do contexto histórico da gênese das comunidades na elaboração destes discursos, pontuo experiências genderificadas em comunidades na América do Norte, colhidas a partir de entrevistas e breves imersões de campo.